A falta de transparência municipal na concessão de apoios financeiros
Uma administração autárquica interessada em modernizar-se, aumentar a sua governança, prevenir a corrupção e atender melhor ao interesse público deve, sem receios, investir em mecanismos de transparência municipal.
Vem isto a propósito do apoio dos municípios ao movimento associativo que, nalguns casos, parece sofrer de uma enorme falta de transparência, de rigor e de respeito pelos regulamentos e pela Lei.
Em alguns municípios portugueses, os partidos da oposição costumam votar 100% ao lado do governo municipal, quando este traz à votação a aprovação de apoios financeiros às diversas instituições.
Para não perderem votos, e mais preocupados com as próximas eleições do que com as próximas gerações, preferem votar sempre ao lado do poder, não levantando questões como estas:
1 – As entidades de carácter desportivo, que recebem valores superiores a 50 mil euros, têm as suas contas certificadas por um revisor oficial de contas, ou por uma sociedade revisora de contas como estipula a Lei 273/2009, de 1 de Outubro?
2 – As entidades desportivas beneficiárias de apoios financeiros inferiores a este valor, organizam a sua contabilidade por centros de custos?
3 – As entidades desportivas beneficiárias de apoios financeiros que estabelecem contractos programas de desenvolvimento desportivo com a Câmara Municipal elaboram relatórios finais sobre a execução dos contractos programas?
4 – As entidades que recebem apoios financeiros apresentam os seus planos de actividades e orçamento anual ou de época desportiva nos prazos definidos no regulamento?
5 – Todas as instituições que beneficiam de apoios financeiros têm a situação dos órgãos sociais regularizada de acordo com os estatutos?
Nalguns municípios não existe um regulamento único, que defina os apoios, as condições e critérios dos apoios a prestar às Associações, Colectividades e IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social).
Nalguns casos, apenas se conhece o Regulamento de apoio às actividades desportivas ao abrigo da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Actividade Desportiva e do Desporto) e do Decreto-Lei nº 273/2009 de 01 de Outubro (Regime dos Contractos Programa-Desporto).
Mais, alguns municípios não possuem cadastro nem incluem nos seus sites o cadastro de todas as associações e IPSS que recebem apoios financeiros.
E porque é importante a existência deste cadastro e do registo nele de todo o movimento associativo? Porque, através dele, é possível aferir das condições de legalidade de cada uma das instituições candidatas aos apoios financeiros.
E que dados são fundamentais para um registo rigoroso e legal do cadastro de cada instituição?
Por ex:
• A cópia da Escritura Pública de constituição da Associação;
• A cópia do Diário da República onde conste a publicação dos Estatutos ou publicação online;
• A Cópia do Cartão de Identificação de Pessoa Colectiva ou Declaração de início da actividade;
• As instituições beneficiárias devem ainda comprovar que não têm dívidas para com o Fisco e a Segurança Social.
Nalguns municípios, não sabemos se estes e outros requisitos são respeitados, porque não existe cadastro do movimento associativo e, por não existir, é impossível saber se os apoios concedidos a cada uma das instituições são ou não legais.
Para políticos e partidos mais preocupados com as próximas eleições do que com as próximas gerações, é compreensível que o facilitismo possa dar muito mais votos do que a responsabilidade, o rigor e o cumprimento da lei.
Podem os incumpridores argumentar com a impossibilidade de cumprir a Lei, porque isso faria com que poucas instituições recebessem os apoios financeiros. Talvez tenham razão!
Todavia, este problema pode ser colmatado com um período de transição com vista a dar tempo às instituições para se adequarem ao imperativo da Lei. Se uns cumprem a lei, outros terão de o fazer, porque todos são iguais perante a Lei. É desta negligência e da falta de rigor e transparência, que se alimenta o compadrio, o amiguismo e a corrupção.
Alcídio Torres
Mestre em Administração e Políticas Públicas