Escrita rápida, precisamos de uma escrita rápida, que nos tire de cima dos ombros um peso, que nos tire da frente dos olhos uma imagem de cinismo, hipocrisia e degradação pública. Será, degradação pública? As celebrações da revolução de Abril lembram-nos que, sim, é possível derrubar um regime e instaurar uma nova ordem pública do dia para a noite, mas as mudanças democráticas são lentas, e as falhas da nossa ainda jovem democracia são isso mesmo, são um processo lento e pacífico de maturação e crescimento. A democracia é uma construção, é um ideal civilizacional. Se em Portugal vivemos períodos de desilusão com a classe política, que se reflete no elevado abstencionismo e no distanciamento do eleitorado face a questões ligadas à política, enfraquecendo a ação democrática, então, que lições podemos tirar?
Uma ideia central: a ação política é um projeto de promoção do bem comum, que implica o desenho de um ideal a ser atingido e uma leitura e resposta ao real concreto, em que todos participamos.
Quando ouvimos campanhas eleitorais que repetem frases feitas como “o que importa são as pessoas”, ou “é pelas pessoas que estou aqui”, o que significam estas mensagens? Antes demais, é uma não mensagem, pois não acrescenta nada de novo, apenas repete um lugar comum, algo que fica bem para enfeitar um discurso vazio e cheio de banalidades.
Será isso a política? Serão os políticos os novos entertainers que repetem os discursos que fica bem ouvir?
Precisamos do absurdo, de olhar de frente para o absurdo, de o assumir como algo em processo, algo em relação ao qual somos chamados a dar uma resposta, a desconstruirmos o seu código hermético e a abrirmos caminhos férteis e plenos de sentido.
Quando nos soa a absurdo o discurso sobre “o que importa são as pessoas” é um bom sinal, pois significa que estamos prontos para esperar mais, para exigir mais e para criar mais.
A escrita rápida serve para procurar encontrar um calcanhar de Aquiles, um ponto nevrálgico a partir do qual se possa construir um discurso radical e poderoso. Radical vem de raízes. Precisamos de redescobrir as raízes da Revolução de Abril e dos sonhos que estão por cumprir.
A frustração, desilusão, náusea e repúdio geram uma forma de dessensibilização sobre a capacidade de pensar o futuro. E a política não se faz sem futuro, sem um horizonte de expectativas, sem uma promessa de compromisso, de aliança e de confiança. Um modelo económico de desenvolvimento sustentável, um modelo democrático de cidadania ativa, uma sociedade que promove a cooperação, colaboração e participação cívica, são ingredientes irrecusáveis para a evolução das sociedades contemporâneas.
Portugal é um estado nação que está inserido num projeto de integração económica, na União Europeia, que, tal como a democracia, é um processo em construção. Por sua vez, a globalização impõe novos contextos, fazendo da Europa uma peça de um puzzle mais vasto. Política, a defesa e promoção do bem comum, implica ter em conta essa dimensão global. No século XIX, o modelo prevalente era o da economia industrial mas nas primeiras décadas do século XXI, estamos na era pós-industrial. Foi a partir do pós-guerra, nos anos cinquenta do século XX que se dá o início da lenta transição para uma nova economia, a economia do conhecimento da era da informação.
Perante problemas globais as soluções têm de ser globais, daí a necessidade de mudança de paradigma para modelos colaborativos e participativos, capazes de lidar com crescentes níveis de complexidade. O tempo do comando e controlo, da era industrial, dá lugar a novas formas de organização social e política, em que surgem como imperativos as necessidades de inovação social e de criação de modelos económicos mais justos, sustentáveis, em que a promoção da coesão social e a construção de comunidades de pertença são cruciais. A visão de um mundo mais justo e o compromisso com a aposta numa participação cívica aberta e inclusiva, que aponte para o ideal da cidadania global, esse é um caminho que constrói confiança, embora seja ainda um trabalho em curso.
Voltemos ao conceito de absurdo. Uma sociedade humana que não resolva a sua tendência mórbida de auto-destruição, e que não promova uma cultura de abertura e de confiança no futuro, através de ações concretas, visíveis e com efeitos reais em pessoas reais, será uma sociedade moribunda. Se olharmos para a economia mundial verificamos inúmeros exemplos deste absurdo. Mais grave ainda, constatamos que as potências do continente Europeu, incluindo Portugal, têm um percurso de evolução histórico que nem sempre trouxe as melhores soluções em termos do bem comum para a economia global. Não se trata de fazer um mea culpa mas antes procurar trazer autenticidade, densidade e intensidade à forma como nos posicionamos face às decisões políticas, quer vistamos a pele do cidadão, cidadão português, europeu ou cidadão do mundo, quer vistamos a pele do decisor político, local, nacional, europeu ou internacional.
É esta a lição: estamos insatisfeitos? Ainda bem, é o primeiro passo no caminho da desinstalação. E a partir daqui? O segundo passo é uma constatação simples, elementar, a de que as questões políticas são questões de todos os cidadãos, em que ninguém fica de fora. Daí haver um momento, um instantâneo, em que realizamos que temos de nos chegar à frente, de buscar soluções, de participar e de dar voz àquilo que nos mobiliza e compromete. Em terceiro lugar, será a partir dessas convicções pessoais e singulares, de algo que nos move, atrai e sentimos como irrecusável, que verificamos que não estamos sozinhos, que, afinal, somos muitos. A sociedade humana é fácil de caraterizar, somos todos iguais e todos diferentes, todos frágeis e incompletos e todos com um potencial de desenvolvimento infinito, isto é, todos com capacidades de construirmos em conjunto infinitas possibilidades de criação de um mundo melhor. É isto, um passo de cada vez, com um pé à frente do outro. Uma mão lava a outra e as duas lavam a cara.
Cidadania é ação eficaz e gratificante, é algo que nos faz dizer que vale a pena viver e que nos inspira e faz acreditar que podemos contribuir para um melhor futuro não apenas para nós mas para as gerações que se seguem.
Ângela Lacerda Nobre
Partido Livre
27 Abril 2017