Neste momento, Setúbal está listado como sendo um dos distritos com maior taxa de transmissão da COVI-19, e isto leva-me a uma viagem no passado, nomeadamente, ao inverno de 2021. O Hospital de São Bernardo de Setúbal passou por uma crise. A terceira vaga da pandemia teve lugar depois das festas de celebração do final do ano anterior. Os casos aumentaram exponencialmente, e isto leva-me a questionar algumas coisas. 

Em primeiro lugar, é comum ser alertado que, em termos nacionais, Portugal é um país católico. Portanto, as medidas da quarentena da segunda vaga fracassaram e deram origem à terceira vaga. Falamos de regras que permitiram convívios em espaços públicos, restaurantes abertos até altas horas, menor constrição do número de pessoas em espaço fechados, festas de comemoração, entre outras. Nessa altura, foi permitida uma maior liberdade para os portugueses, e muitos especialistas acreditam que tal deve-se ao facto de Portugal ser um país «católico». Gostava de corrigir essa perceção: Portugal é antes um país social

Os portugueses fazem-me lembrar aquilo que alegoricamente é referido como o «complexo porco-espinho». Quanto mais perto nos aproximamos uns dos outros, mais nos ferimos mutualmente. Assim foi com a pandemia e continua a ser. No nosso país, existe a necessidade de pertencer, fazer parte de um grupo e ser socialmente validado, e isto em níveis bastante extemos. Os portugueses vivem em «grupos», e isso permite que o vírus se espalhe facilmente. 

Quanto à cidade de Setúbal, sendo relativamente pequena, os seus habitantes caem muito facilmente na armadilha do convívio em troca do sentimento de segurança. Tomamos a vida por garantida, desde que não estejamos sozinhos. Verifica-se o tal «complexo de porco-espinho». No ano passado, segundo a minha opinião, muitos laços revelaram as suas cores. Esta foi uma das consequências gerais da pandemia, mas em Setúbal isso verificou-se a uma grande escala, principalmente porque a população é mais dogmática e, infelizmente, mais pequena em muitos aspetos. «Setúbal é ainda uma cidade provinciana», disse-me, certa vez, um profissional de saúde mental. Muitos laços foram quebrados e os setubalenses falharam ao conectar e a expressar as suas emoções com autenticidade. Considero que nas cidades mais pequenas as pessoas não são ensinadas a expandir. Tampouco conhecem como se exprimir de forma saudável. Essa é a maior pandemia que se verifica atualmente na cidade, mesmo que a mesma esteja a passar pelo processo de vacinação.

As diversas vacinas existentes não impedem o vacinado de ser infetado pela COVID-19; atenua, antes, os efeitos da doença. Porém, pelas ruas, as pessoas estão a perder o medo. Sinto que já não há nada a perder, visto que muitos perderam tudo, família, amizades, casa, emprego e estabilidade. É relevante abordar semelhante facto, dado que estamos à beira de uma quarta vaga. Nesta altura do ano, não existe razões de origem católica que justifiquem o aumento de casos. Portugal é um país social

Setúbal sofre as devidas consequências. A maior pandemia não é o vírus, mas antes como as pessoas se encaram interpessoalmente. Podemos não estar a passar por uma onda de revoluções contra o racismo ou outros estigmas. Porém, o medo está a dissipar-se. Será que isso é um progresso no combate à pandemia ou um retrocesso?

É necessário que se construam melhores conexões, e que tudo aquilo que tenha ficado no esquecimento da pandemia deva permanecer no esquecimento. A vida seguirá em frente e não podemos ter a certeza de nada enquanto não entendermos o assunto. E isso pode nunca acontecer.