O que terão em comum José Sócrates, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Armando Vara, Miguel Macedo, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, António Mexia ou Hermínio Loureiro (só para nomear alguns)? Não, não é o facto de serem todos banqueiros, gestores de topo ou políticos e dirigentes desportivos de renome. Não é isso.

Não é fácil escrever sobre estes homens, mas façamos o seguinte exercício: quantas condecorações se contam entre estes ilustres senhores? De quantos prémios e distinções estaríamos a falar se reuníssemos numa mesma sala o espólio honorífico de cada um?

Pois é. Todos eles, pelas mais diversas razões, poderiam estar a ser homenageados agora mesmo. Seja pelo trabalho que desenvolveram na qualidade de ministros ou secretários de estado, seja pelos cargos que, como mais ou menos sucesso, desempenharam à frente de uma Câmara Municipal, de uma grande empresa ou instituição pública, de um grupo privado de relevo, de um clube de futebol ou de um partido político.

A verdade, porém, é que nenhum deles está na calha para ser homenageado. Ora, a pergunta impõe-se: se todos eles foram homens entregues à causa pública e se assumiram importantes responsabilidades à frente de grandes grupos ou dos destinos do país, porque não são devidamente reconhecidos pelos Portugueses?

Não sei responder com precisão a esta pergunta, nem explicar, nas suas múltiplas vertentes, a complexidade do problema e o porquê de o não serem. Mas há uma coisa que eu sei: a ideia que nos vem à cabeça quando pensamos nestes nomes não é a de que eles se entregaram causa pública; pelo contrário, a ideia que temos é a de que se entregaram àquilo que a causa pública lhes poderia dar – às vantagens, aos benefícios, ao poder e ao dinheiro.

O que mais dói é sentir que isso aconteceu às nossas custas, à custa das vantagens que lhes conferimos, dos benefícios que lhes demos, dos impostos que descontámos, das contas da luz que pagámos, das aplicações financeiras em que investimos ao engano, das quotas de sócio que suportámos e do poder que lhes entregámos ao longo de mais de quatro décadas em que os elegemos em sucessivos sufrágios.

Será lícito fazer-se um julgamento na praça pública, antes de os tribunais concluírem o seu trabalho? Será justo? Julgo que não. O poder judicial não tem o tempo do homem comum. O tempo da justiça corre devagar, o que não é necessariamente mau, porque rapidez nem sempre é sinónimo de eficácia. Admito, por isso, que todos poderão estar inocentes – como, aliás, nos impõe o princípio da presunção de inocência num estado de direito. Contudo, o cidadão observa, assimila e interpreta os factos à medida da sua realidade. O comum mortal não pode deixar de sentir indignação quando vê os seus ordenados diminuírem e os impostos aumentarem, enquanto crescem as regalias daquela elite distante. Não julgamos as pessoas, mas questionamos os actos.

A realidade é esta: a maioria destes senhores, se não a totalidade, está hoje (ou já esteve) sentada no banco dos réus. Todos eles estão (ou estiveram) indiciados, na qualidade de suspeitos ou arguidos, pela prática de crimes graves. O rol é extenso: corrupção, activa ou passiva, tráfico de influências, prevaricação, peculato, falsificação de documentos, burla, fraude fiscal, entre outros.

Já diz o ditado: onde há fumo há fogo. E se houver mesmo, é a mais triste fotografia do Portugal contemporâneo. Quase tão triste coma fotografia do fogo trágico que ardia ainda há dias. É a radiografia de um regime podre, que não deixa ficar mal os nossos irmãos brasileiros. É o sintoma de uma rinite crónica irremediavelmente diagnosticada à nossa democracia. É aquela inflamação constante, o inchaço irritante, a especturação sempre presente que conspurca o dia-a-dia do Estado.

Então e se for verdade, porque não estão eles todos presos? Porque não cumprem penas como o ladrão ou o homicida? Estará o direito penal económico protegido por algum manto protector face ao direito penal comum? Estarão os crimes de colarinho branco protegidos por um escudo invisível que salvaguarda os infractores de cumprirem penas? Será que uma das regalias – inventada pelos próprios, note-se – de que gozam é precisamente a de não serem condenados? Vislumbrariam já uma potencial acusação e por isso criaram um sistema brando e complacente?

No futebol, por exemplo, temos agora um vice-presidente da FPF sob suspeita. Nos clubes – excepção feita a Vale e Azevedo, que parece ter servido de bode expiatório para muita coisa –, vimos Valentim Loureiro e Pinto da Costa serem ilibados nos vários processos em que foram sendo envolvidos. E veremos o que acontece agora a Luis Filipe Vieira com a trapalhada dos e-mails, que o próprio ainda não negou publicamente.

Quanto aos políticos, banqueiros e gestores de topo, foram ene os processos arquivados – uns devido a questões meramente formais, outros porque à investigação faltavam os meios para continuar. A cadeia de recursos, por seu lado, parece infindável. Penas e condenações é que nem vê-las. Nem absolvições, o que também não deixa de ser estranho. Além dos desmandos da banca, quantas negociatas não terão havido como as dos CMEC ou do SIRESP? Depois de BPP, BPN, BES, Banif, Montepio, PT, EDP e REN, o que falta ruir em Portugal? É a falência do regime… mas também a falência dos bolsos dos contribuintes.

Deus queira que eu não tenha razão, mas parece que a impunidade tem um nome: chama-se sistema. E sistema é sinónimo de corrupção. Mudam as caras, continuam as patranhas. A rede é extensa, a teia é densa. A entreajuda entre agentes é palavra de ordem. Uns protegem alguns, que encobrem outros que defendem os primeiros. E ai de quem o tente furar. Ai de quem ouse falar.

Este não é um discurso de esquerda ou de direita. É de todos nós. Chega de compadrios, de interesses, de amizades e de favores sempre em proveito dos mesmos. É urgente fazer este debate. E é ainda mais urgente renovar a classe política e dirigente em Portugal. Este é um desafio de todos e, em particular, dos jovens. Senão daqui a uns anos serão os nossos filhos a dizer o mesmo.

 

Francisco  Alvim

Jurista e militante CDS-PP