Descentralização, competências e recursos

O processo de descentralização de competências em curso do Estado para as Autarquias Locais, iniciado com a Lei nº50/2018, de 18 de agosto, está contaminado pela confusão. Desde logo, as datas previstas na Lei para os diplomas sectoriais das áreas a transferir não foram cumpridas. Só muito posteriormente foram publicados, em tempos diferentes. Só confusão, para ficarmos por aqui.

Mas lá diz o povo” com papas e bolos se enganam os tolos, ou neste caso também se pode, aplicar “quem não sabe é como quem não vê.”

Na realidade, legislar” a todo o vapor ” num processo que envolve enorme responsabilidade, é no mínimo, de grave irresponsabilidade.

A descentralização de competências deve servir para uma efetiva reforma do Estado e da Administração Pública. Reforma do Estado, neste caso, que proporcione a melhoria da qualidade dos serviços públicos a prestar às populações, que simplifique e desburocratize os procedimentos, que promova a eficácia e a eficiência, bem como a coesão social e territorial, com a racionalização e ganhos dos recursos públicos disponíveis.

Acontece, que não se conhecem estudos que sustentem aqueles princípios. Nem se conhecessem ainda os recursos financeiros, humanos e técnicos necessários para fazer face às transferências de competências do Governo da Republica para o Governo Municipal. Deixemos, por agora, as transferências intermunicipais.

O que se conhece é apenas as áreas de atuação, os poderes que vão ser transferidos e que serão legalmente recebidos até 2021, quer os municípios queiram ou não.

Um processo de descentralização constitui um princípio estruturante na repartição de atribuição e competências entre o Estado e as Autarquias. Principio esse que deve assentar, ter por base, um relacionamento entre os dois Govenos, da Republica e Municipal em que os princípios da autonomia, da transparência, da boa-fé, da cooperação, da responsabilidade, do interesse publico estejam presentes.

Ora, no modelo em curso, não estão clarificados nem quantificados, de forma inequívoca, sem violação do princípio da universalidade, e da igualdade de oportunidades, a responsabilidade do financiamento bem como de outros meios e instrumentos a afetar às tarefas, ações, intervenções que as autarquias vão ser obrigadas a realizar, satisfazer, providenciar, para prestar um melhor serviço às populações.

O  enquadramento financeiro consentâneo com a justa repartição dos recursos públicos entre o Estado e as Autarquias não está definido. Cabe então perguntar como é possível de forma responsável aceitar transferência de competências, sem saber em toda a sua extensão os seus custos e quem os vai suportar? O Orçamento de Estado ou os Munícipes com mais taxas e impostos?

Assim, não se conhece se na transferência de competências em curso estão salvaguardadas a melhoria da qualidade dos serviços a prestar às populações, concomitantemente com os ganhos de eficácia e eficiência, bem como com a racionalização e poupança dos recursos públicos disponíveis, de forma a garantir a prossecução do interesse público.

O processo de descentralização em curso, poderia ser bem sucedido, não fora a pressa ” temos de fazer alguma coisa”. Temos é agora ainda um longo caminho a percorrer para clarificar as responsabilidades de uns e de outros e não continuar no” jogo do empurra” em que os Governos dizem que já não é nada com eles e as Câmaras Municipais dizem que as responsabilidade são dos Governos. 

 É neste estado de indefinição e incerteza, nesta área como em outras, que alguns gostam de atuar e, se vão safando, fazendo pela sua vida.

Por outro lado, aguarda-se com enorme expetativa, o relatório da Comissão Independente para a Descentralização, coordenada pelo Engº João Cravinho, que deverá ser anunciado até 31 de Julho próximo.

Maria Amélia Antunes

Advogada

Ex-Presidente da Câmara do Montijo