Dando novos sinais de ruptura com uma linha demasiado convencional na abordagem da música sacra, o Festival Terras sem Sombra apresenta no seu próximo concerto, em Grândola, terra de muitas ressonâncias artísticas, uma experiência estética única: o recital que une duas intérpretes de excepção, PatriciaJanečková e Celeste ShinJeBang, vencedoras  – respectivamente com o primeiro e o segundo prémios – do Concurso Internacional de Música Sacra de Roma, de 2014, realizado sob a égide da Santa Sé.

O concerto terá lugar na igreja matriz de Nossa Senhora da Assunção, no próximo sábado, 18 de Abril, pelas 21h30. Sob o título “Vinho Velho em Odres Novos: Perspectivas das Novas Gerações sobre a Voz Humana”, faz parte da 11.ª edição do Festival Terras sem Sombra, iniciativa do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, em colaboração com o município e a paróquia locais (como todas as actividades deste projecto, é de entrada gratuita). Domingo, uma acção de salvaguarda da biodiversidade traz ao palco o património geológico da faixa piritosa do Alentejo, habitat privilegiado de muitas manifestações da biodiversidade.

Trata-se da primeira vez que a soprano PatriciaJanečková e a meio-soprano Celeste ShinJeBang actuam em Portugal, o que torna este promissor concerto uma ocasião histórica. “É difícil conseguir maior contraste entre duas cantoras”, salienta Juan Ángel Vela del Campo, director artístico do Festival: “juntá-las, em Grândola, num recital com estas características, afigurou-se uma oportunidade de ouro, para além de uma clara aposta no futuro do canto”. Vela del Campo, celebrado crítico musical espanhol, integrou, no passado Outono, o júri do Concurso de Música Sacra da Academia Musical Europeia. “Houve unanimidade nas deliberações, algo pouco frequente, e os dois primeiros prémios recaíram em duas cantoras nos antípodas estilísticos”, explicou, acrescentando “é um privilégio poderlevar a cabo um encontro musical com estas características”.

PatriciaJanečková, nascida na Eslováquia em 1998, triunfou em Roma com a sua interpretação da Paixão segundo São Mateus, de J. S. Bach. A crítica tem chamado a atenção para a maturidade musical desta soprano que, desde os quatro anos de idade, encanta sucessivas audiências – mesmo as mais exigentes. De uma entoação e afinação vocal perfeitas, aos 12 anos venceu, com a sua voz cristalina, o concurso da televisão checa e eslovaca, Talentmania, sendo nomeada vencedora absoluta e recebendo o prémio das mãos do célebre tenor eslovaco Peter​ Dvorský.​ Porém, foi na série “Junge​ Talenteder Klassik 2013”, que teve início a sua carreira internacional a solo. Em 2014, distinguiu-se como protagonista de​ Buquet,​ adaptação de poemas e baladas da literatura checa.

O segundo prémio do concurso de Roma foi concedido à meio-soprano Celeste Shin Je Bang, de nacionalidade sul-coreana, que brilhou com Requiem. Natural de Seoul (1982), esta grande cantora tem sido reconhecida internacionalmente, alcançando importantes galardões. Estreou-se no Teatro allaScala, de Milão, em 2013, no papel de Lucila (La Scaladi Seta, de Rossini) e fez IlPiccoloSpazzacamin, de Britten, no papel de Miss Baggot. Outras actuações suas de relevo foram na Petite Messe Solennelle, de Rossini, no Teatro MüvészetekPalotája de Budapeste, sob a direcção de Bruna Casoni, e na Missa en Dó Maior, op. 86, de Beethoven, no Nuovo Teatro dell’Opera, de Florença, sob a direcção de Omer MeirWelber.

Complementar entre si, esta dupla será acompanhada pela pianista JuliaGrejtáková, outra notável intérprete eslovaca, fautora de brilhante carreira internacional. Um repertório de excelência, cheio de colorido e de profundidade, com obras de Rombi, Handel, Bach, Mozart, Vivaldi, Rossini e Verdi, adequa-se em pleno a um dos mais monumentos religiosos do Alentejo litoral, a Igreja Matriz de Grândola, que tem vindo a ser alvo de obras de restauro e se destaca pela excelência do seu património de artes decorativas.

José António Falcão, director-geral do Festival Terras sem Sombra, chama a atenção, por seu turno, para o desafio de apresentar, no Alentejo, “uma região especialmente vocacionada para a música sacra”, premières de repercussão europeia. “Faz todo o sentido reivindicar para a nossa região um papel próprio no panorama da arte dos nossos dias; este festival integra a divisão de topo da música sacra e o concerto do próximo sábado, em Grândola, é uma boa prova disso”, acrescenta Falcão, sublinhando: “o tempo do provincianismo, em termos de vida cultural, já passou; hoje, ou estamos à frente ou ficamos à margem”.

Biodiversidade – Acção do Terras Sem Sombra em Grândola destaca a importância da geodiversidade da faixa piritosa.

Na manhã de domingo, 19 de Abril, músicos, moradores e a comunidade do Festival unir-se-ão, como é timbre do Terras sem Sombra, numa iniciativa de salvaguarda da biodiversidade.

Com o apoio do Centro Ciência Viva do Lousal, do Comité Nacional para o Programa Internacional de Geociências da Unesco, do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, esta acção – invulgar entre nós – convida o público a mergulhar nos tempos geológicos, numa visita em torno de uma das principais regiões mineiras da Europa: a faixa piritosa ibérica.

Levantando o véu sobre de que forma esta faixa estruturou a ocupação humana num vasto território do Sudoeste peninsular, os participantes são convidados a conhecer o extraordinário património geológico português, nas suas múltiplas vertentes, muitas das quais ainda pouco divulgadas. Numa animada acção, serão observadas a antiga corta (escavação a céu aberto) e uma galeria mineira, santuários da geodiversidade e da biodiversidade, enquanto contadores de histórias partilharão vivências dos antigos mineiros.

O diálogo entre gerações é outras das componentes desta iniciativa, já que vão estar presentes os alunos, os professores e os técnicos da Eco-Escola das Ameiras, um estabelecimento do ensino básico de Grândola cujo programa escolar se centra, em larga medida, no património ambiental do concelho, e que é presença regular, sempre muito interessada, nas actividades do Festival Terras sem Sombra. Da sua interacção já resultaram a criação de um “Museu do Sobreiro” ao ar livre e projectos em curso sobre a valorização do montado sobro e a salvaguarda da Serra de Grândola, onde se verificam severos problemas de conservação de espécies autóctones.