Já foi um museu, uma sala de exposições e, até, um hospital. O Convento de Jesus, em Setúbal, principal referência patrimonial da cidade e um dos primeiros exemplos de arquitetura manuelina, reabre ao público, após a conclusão da primeira fase de intervenções de reabilitação, no próximo dia 20 de junho, após 23 anos de encerramento.

O Convento de Jesus tem mais de 500 anos de história que não resistiram à ingrata passagem do tempo, deixando-o, assim, em adiantado estado de decomposição. No entanto, depois de dois anos de profunda remodelação, o monumento – descrito pela Europa Nostra, em 2013, como um “testemunho tangível da história partilhada da Europa” por ter sido, entre outros marcos históricos, o local da ratificação da assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494) e por ter sido classificado em 2011 com o “European Heritage Label” da Comissão Europeia – ganhou, efetivamente, uma nova vida e agora será, novamente, devolvido aos setubalenses.

A primeira fase de requalificação do Convento de Jesus, que começou em Dezembro de 2012, foi essencial, de acordo com o município, para estabilizar, reconstruir, renovar e remodelar o edifício e incluiu a colocação de uma cobertura totalmente em madeira, a reconstrução dos pavimentos dos pisos superiores, igualmente com vigas em madeira e tabuado – soluções que permitiram libertar peso do imóvel e assegurar a integridade estrutural -, a restauração das paredes de pedra e de alvenaria, a colocação de elevador, a recuperação da fonte octogonal central, a par da proteção geral, através da criação de sistemas de drenagem no alçado norte, tendo um custo total de 3,6 milhões de euros.

Para o arquiteto Carrilho da Graça, autor do projeto de reabilitação global do imóvel, o Convento de Jesus “exigia uma obra urgente que permitisse estancar o processo de ruína” do edifício, que classifica como “lindíssimo, extraordinário e com uma série de espaços marcantes”.

As intervenções foram, segundo o arquiteto, “implementadas com um conceito de simplicidade que aproximam o edifício da conceção original”.

O restauro completo da ala poente, que foi recuperada para acolher e reabrir ao público o Museu de Setúbal, também encerrado desde 1991, é uma das ações de maior visibilidade no requalificado Convento de Jesus.

De acordo com o arquiteto Carrilho da Graça, a primeira galeria expositiva do Convento de Jesus foi projetada com “linhas simples” e “discretas” para “servir de pano de fundo às obras de arte” e, consequentemente “deixá-las efetivamente brilhar”.

A mostra, com peças de várias coleções do acervo do Museu de Setúbal – que se encontra disperso por vários locais há mais de 23 anos – funcionará como uma espécie de roteiro cronológico espaciotemporal entre o final do século XIV e o século XX, onde estarão expostas, entre outras, a pintura “Bocage e as Musas”, de Fernando Santos (1929), assim como a obra “Calvário – Cristo Cruxificado, Nossa Senhora, São João e Santa Madalena”, doado à autarquia sadina, no ano transato, pela Fundação Buehler-Brockhaus, que o adquiriu por 52 mil euros.

A peça, da primeira metade do século XVIII, é composta por esculturas em madeira policromada, cruz naturalista em madeira com aplicações em prata de origem espanhola. As esculturas reproduzem um Cristo, com 57 centímetros, de uma Nossa Senhora, com 50, de um São João, com 61, e de uma Santa Madalena, com 31.

Os trabalhos dinamizados na primeira fase de reabilitação do Convento de Jesus asseguraram ainda a construção de um novo edifício técnico e a recuperação da zona do Claustro e de outras áreas do convento, nomeadamente a Sala do Capítulo.

A Sala do Capítulo – onde estão depositados os restos mortais de Dona Justa Rodrigues Pereira, fundadora do Convento de Jesus e ama-de-leite de D. Manuel I – é atribuída a António Rodrigues, que não é o arquiteto original do convento, e foi criada num conceito arquitetónico do estilo do Alto Renascimento, entre os séculos XVI e XVII, com paredes forradas a azulejo e um teto em madeira pintada, “é composta por elementos muito fortes” e que “contrastam com a maioria dos espaços do Convento de Jesus”, reforçou Carrilho da Graça.

Com a primeira fase das obras foi também concretizada uma ação de proteção contra inundações, uma vez que o Convento está situado num ponto baixo da cidade. Além da impermeabilização das lajes, foi criado um muro em redor do imóvel para desviar águas pluviais e instalada uma estação de bombagem.

A primeira fase de reabilitação do imóvel integra o projeto “Recuperação e Valorização do Convento de Jesus”, incluído no programa ReSet – Regeneração Urbana do Centro Histórico de Setúbal, candidatura liderada pela Câmara Municipal de Setúbal que incluiu a execução de um conjunto de obras estruturantes para a cidade.

O investimento no Convento de Jesus, da ordem dos 3,6 milhões de euros, foi comparticipado por fundos comunitários com uma taxa de 65 por cento através do PORLisboa – Programa Operacional Regional de Lisboa, ao abrigo do QREN – Quadro de Referência Estratégico Nacional, com os restantes encargos assumidos pela Autarquia.

O Município chamou a si a liderança deste processo após receber, por protocolo, a posição de beneficiário da candidatura que pertencia ao IGESPAR, por este instituto da administração central, atualmente integrado na Direção-Geral do Património Cultural, alegar incapacidade orçamental.

Neste âmbito, a Câmara Municipal de Setúbal assegurou, num protocolo com a Direção-Geral do Património Cultural em fevereiro de 2012, a cedência temporária do Convento e da Igreja de Jesus e respetivos bens culturais para a instalação do Museu de Setúbal por um período de vinte anos, renováveis.

Para garantir a renovação total do Convento de Jesus e a implementação integral do projeto de arquitetura proposto por Carrilho da Graça, até 2017/2018, a Câmara Municipal de Setúbal tenta garantir junto do Governo os fundos nacionais e comunitários necessários, no valor global de 6 milhões de euros.

“Foi importante arrancar com a primeira fase de intervenções mas é preciso mais. Reclamamos justiça para este edifício e exigimos ao Governo que assuma a responsabilidade por este património que é sua propriedade”, realçou a presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira.

A segunda fase de obras prevê a conclusão da recuperação das alas norte e leste do Convento e a reabilitação da estrutura da Igreja de Jesus e da respetiva cobertura – que foi, como explicou o arquiteto, “uma espécie de protótipo da Igreja dos Jerónimos”, obra-prima, posterior, do mesmo arquiteto do Convento de Jesus, Diogo Boitaca -, assim como a construção de um edifício de apoio para acomodar funções científicas, técnicas e administrativas do Museu de Setúbal, com mil metros quadrados.

A recuperação total do Coro Alto, da estrutura ao teto, bem como da torre sineira é outro dos objetivos programados na segunda fase de intervenções, que inclui, ainda, instalação de um equipamento térmico na totalidade do Convento e a beneficiação da Praça Miguel Bombarda, com a criação de um jardim.

Com as intervenções concluídas será possível exibir uma seleção dos cinco mil objetos e peças de arte que compõem o Museu de Setúbal. Os artigos ficarão expostos maioritariamente no primeiro piso em torno da zona dos claustros, solução que cumpre todos dos critérios de segurança e mobilidade para todos exigidos em equipamentos públicos.

Maria das Dores Meira assegurou que, à medida que as verbas necessárias forem asseguradas, as obras no Convento de Jesus continuam a avançar, com prioridade aos espaços do Coro Alto e da Igreja de Jesus, que continuará a acolher eventos especiais ocasionais e serviços religiosos.

Programa de inauguração

O Convento de Jesus reabre parcialmente ao público a 20 de junho, com uma nova galeria expositiva com peças do acervo do Museu de Setúbal e após a conclusão da primeira fase de reabilitação do imóvel, numa cerimónia a realizar a partir das 15h30 com vários momentos culturais.

O programa inclui, às 15h45, um apontamento musical pela Academia de Musica e Belas-Artes Luísa Todi, a que se segue uma cerimónia protocolar de descerramento da placa de inauguração e um período de alocuções de responsáveis das várias entidades envolvidas no projeto.

Uma visita-guiada ao Convento de Jesus, com passagens pelos principais espaços intervencionados, assim como à nova galeria de exposições, decorre às 16h15. A cerimónia prossegue às 17h00, com um momento musical dinamizado pelo Conservatório Regional de Setúbal.

A abertura ao público, programada para as 18h00, inclui um apontamento musical pelo tenor João Mendonça, a que se segue, uma hora depois, um concerto com a participação do violoncelista Pavel Gomziakov, que interpreta a Suite n.º 6 de J. S. Bach.

A participação na cerimónia é livre, mediante levantamento no próprio dia do ingresso na receção do Convento de Jesus, localizada na ala poente. No dia seguinte, a 21, o Convento de Jesus pode ser visitado gratuitamente, no horário das 10h00 às 18h00.