As experiências de Milgram foram experiências polémicas em que os sujeitos infligiam choques elétricos (falsos, mas eles desconheciam-no) a mando do experimentador, a um “sujeito cobaia”, que fingia sofrer em resposta. Estas experiências são conhecidas por terem demonstrado o que os psicólogos sociais designam por situacionismo, a ideia de que o comportamento dos indivíduos é determinado em grande parte pelo que se passa à sua volta.

A este propósito lembro-me de uma experiência que tive há anos, enquanto estudante de Física habituada a teoremas, teorias e afins, conhecidos pelos nomes de quem os provou. Quando dei de caras pela primeira vez com o teorema de Noether, “um dos teoremas matemáticos mais importantes já provados de entre os que guiaram o desenvolvimento da física moderna”, não me passou pela cabeça que Noether fosse uma mulher. Poder-se-á argumentar que os teoremas não têm sexo e que seria normal que tal ideia – a de Noether poder ser uma mulher – nascida há 133 anos, à em data que escrevo, não me ocorresse. Seria justo o argumento, se o facto de Noether se chamar “Amalie Emmy“ e não “Max” ou “Albert” não me tivesse surpreendido. É que estava habituada a que os teoremas tivessem sido desenvolvidos por homens!

Em Portugal a situação das mulheres na sociedade e, em especial, a participação das mulheres na “Coisa Pública” mudou bastante desde há 133 anos.

Aquando da implantação da República as mulheres orgulharam-se também de … terem costurado e bordado a bandeira! E houve uma mulher que conseguiu votar – uma vez – porque era chefe de família. Depois, deixou de ser assim e só lentamente, após mais de 60 anos, em 1974, o direito de voto se tornou universal e pleno em Portugal.

A participação política das mulheres é hoje aberta a todas que quiserem participar, mas … só no voto! Apesar de a partir de 2006, a lei conhecida como “Lei da Paridade”, vincular a representação de no mínimo 33% de candidatos de ambos os sexos nas listas eleitorais para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais, as mulheres continuam sub-representadas nos cargos políticos de liderança. Com níveis de participação feminina nos cargos ministeriais atingindo os 20% apenas em 2009, sem uma única Presidente da República em Portugal e com uma única primeira-ministra, Maria de Lourdes Pintassilgo, nomeada presidencialmente em Agosto de 1979 e que governou durante apenas 6 meses. No atual governo, a aparente evolução nos números dos ministérios, com 4 ministras (27%) num total de 15 ministros e ministras, é contrariada pelo número de secretárias de estado: três (8%) num total de 38 secretarias! Em 2013, dos 308 Presidentes de Câmara Municipal eleitos, apenas 23, correspondendo a 7.5%, eram mulheres!

Se a população portuguesa fosse constituída por 20 a 30% de mulheres talvez estes números fizessem algum sentido! Mas de facto, não existindo atualmente qualquer diferença significativa entre a percentagem de homens e de mulheres que exercem o seu direito de voto e que pagam impostos (!), só podemos concluir, que as mulheres não estão devidamente representadas nos lugares de decisão. E que, apesar de estarmos ”habituados à situação”, essa fraca representatividade não é democrática!

Em suma, a “Lei da Paridade” de 2006, muito embora tenha elevado o número de deputadas até valores mínimos aceitáveis no parlamento, não é suficiente para ultrapassar a fasquia que antecede os cargos de liderança politica. É necessária uma nova atitude da parte dos partidos políticos e é necessária uma nova atitude da parte da sociedade!

Cabendo ao estado refletir a matriz da sociedade, mas também, e sobretudo, impulsioná-la no sentido do progresso, os números relativos às mulheres em cargos políticos de liderança são afinal um reflexo daquilo que não está a ser feito. Algumas das causas apontadas para o persistente afastamento das mulheres de cargos políticos prendem-se com o funcionamento dos partidos: o domínio dos aparelhos partidários por elites masculinas, os modelos de decisão política centralizados nessas elites e a ausência de uma pressão social suficientemente forte para tornar o tema apetecível como trunfo na competição eleitoral.

Para alguns destes problemas temos soluções na Candidatura Cidadã LIVRE/Tempo de Avançar, pois queremos melhorar as regras do jogo político em Portugal, através da promoção de um processo democrático inclusivo, descentralizado e deliberativo, em que cada cidadão e cidadã possa participar, apresentando propostas e discutindo ideias, em condições de igualdade. Teremos listas de candidatos à Assembleia da República eleitos em eleições primárias abertas a todos, respeitando a paridade de género no sentido estrito. E no sentido de dar visibilidade à questão da sub-representação das mulheres e de outros sectores da população no processo de decisão político, organizaremos e promoveremos debates e eventos locais. Para as questões que ainda não identificámos e para aquelas que andamos a debater em busca de soluções, contamos convosco, cidadãos e cidadãs, para decidir em conjunto o nosso futuro comum!

 

 

Patrícia Gonçalves

Membro do LIVRE e da Comissão Coordenadora do Tempo de Avançar