Na última noite dos dez dias das Festas da Moita, Rita Guerra, dona de uma voz inconfundível, subiu ao palco da Marginal para a última tournée de 2014 com este reportório, uma vez que lança no próximo dia 6 de outubro um novo álbum de originais, com Volta, o primeiro single do novo disco.
O público, esse, puxou pela garganta e rendeu-se-lhe desde o primeiro momento. Começou com Nas Assas do Desejo, mas foi com os êxitos Preciso de ti, Chegar a ti e Cavaleiro andante que a multidão se alvoraçou com a expressividade vocal da cantora.
Rita Guerra é uma artista influenciada por diferentes estilos musicais, e foi isso que demonstrou ao interpretar Bon Jovi, com It’s my live, John Legend, com All of Me e o fado “O Embuçado”, popularizado por João Ferreira Rosa.
Na despedida, a cantora, que gosta de desafios, presentou os presentes com uma interpretação do fado de Amália Rodrigues, Barco Negro, à capela e o público rendeu-lhe uma merecida ovação.
Antes de subir ao palco, Rita Guerra, em entrevista exclusiva ao Distritonline, recordou o passado, abordou o presente e desvendou alguns dos projetos que tem para o futuro, nomeadamente sobre o novo álbum que terá “uma grande surpresa” e marcará uma viragem na carreira da intérprete portuguesa, nascida em Lisboa, sem fugir à sua verdadeira identidade.
Distritonline [DO]: Começou a cantar aos 16 anos, sempre teve a certeza que queria ser artista apesar das dificuldades inerentes a esta profissão em Portugal?
Rita Guerra [RG]: Em miúda tinha dois sonhos: cantar e ser bailarina clássica. Já fazia ballet, quando os meus pais deram-me a hipótese de, durante um ano, fazer as duas coisas em simultâneo. No entanto, acabei por chegar à conclusão que devido a uma deformação que tinha no pé direito não conseguia dançar em pontas e esse sonho morreu ali. A partir dos 16 anos, comecei a cantar em alguns bares, mas foi no aniversário da rádio que eu trabalhava que surgiu a oportunidade de cantar, pela primeira vez, no Casino Estoril, uma sala grande com um público diferente. O Tozé Brito assistiu a essa atuação e, nessa noite, convidou-me para cantar no Casino Estoril e assinar um contrato discográfico com a atual Universal.
DO: Quais são os segredos para uma carreira de mais de 25 anos?
RG: Acima de tudo, determinação, amor à camisola, capacidade de endurance, nunca desistir e nunca baixar as armas apesar das dificuldades.
DO: É fácil cantar sobre o amor?
RG: É facílimo, acredito, sinceramente, que é o tema mais fácil de cantar. Sempre fui fã de canções românticas, porque normalmente são acompanhadas por letras bonitas, de amores ou desamores, que inspiram sempre a interpretações diversas. Qualquer música que seja alicerçada num sentimento humano de ternura, amor ou, até mesmo, ódio, tem sempre inerente uma interpretação mais sentida.
DO: E nunca temeu o rótulo de cantora romântica?
RG: Não, até porque nem sequer considero um rótulo. Sou, assumidamente, uma cantora romântica, sendo que o amor está presente desde as bandas de rock mais pesado às canções da época medieval, por isso acredito que é o tema mais universal e mais cantado no mundo, nas mais diversas áreas musicais.
DO: Cantar ao piano é a forma mais nua de apresentar-se diante do público?
RG: Sem dúvida. Eu e o piano crescemos juntos, descobri muita coisa acompanhada pelo piano da minha avó em casa dos meus pais, particularmente a minha forma de tocar, a forma como eu sinto que o piano deve acompanhar a minha voz, se deve estar mais ou menos presente e ser tocado com mais ou menos velocidade. Cantar ao piano permite-me ter o domínio completo da atuação, ou seja ninguém tem de estar pendurado a olhar para mim à espera que eu dê a nota seguinte.
DO: Há diferenças entre a Rita Guerra artista e a Rita Guerra mãe, avó e mulher?
RG: Não, a única diferença é que enquanto artista estou a desempenhar a minha função, seja no palco, na televisão ou no estúdio. Como mãe, avó ou mulher a minha vida é desempenhada com naturalidade e normalidade nos mais variados terrenos na vida, nomeadamente no palco, porque apesar de estar em cima do palco não deixo de ser mãe e avó, sou eu, não visto uma personagem, quem me vê no palco vê aquilo que eu, genuinamente, sou. Sou uma pessoa bem-disposta, bem resolvida, muito otimista, tímida, apesar de não parecer, que gosta de espalhar cor e luz à sua volta.
DO: Já cantou com o Beto, Lara Li, Paulo de Carvalho, Carlos do Carmo, com quem é que gostava ainda de ter oportunidade de partilhar o palco?
RG: Já cantei com dois artistas de sonho, o Michael Bolton e o Ronan Keating. No caso do Michael Bolton, ele é que veio ao meu encontro, mas era, sem dúvida, uma das pessoas que mais gostaria de cantar. Ele tinha um disco composto por duetos com várias cantoras e, durante a tournée, em cada país ele escolhia uma cantora desse país para cantar com ele esses temas e em Portugal escolheu-me a mim, o que foi uma chatice (risos), adorei, foi, sem dúvida, um dos momentos mais marcantes da minha vida. Mas gostava muito de um dia ter a oportunidade de atuar ao lado do George Michael.
DO: No álbum Retrato, gravou um cover do fado de Amália Rodrigues “Estranha forma de vida”. O fado é para si uma fonte de inspiração?
RG: Sim. Eu gosto muito de fado, gosto muito de cantar fado, apesar de não achar que sou fadista, e gosto muito de Amália. O meu pai é um grande admirador da Amália e gosta muito de ouvir-me cantar fado, por isso pediu-me para gravar, enquanto ele é vivo, um disco de fados da Amália Rodrigues e eu gostaria muito de fazer-lhe essa vontade, até porque por ele faço tudo. No caso do Estranha forma de vida foi um arranjo que o Ernesto Leite fez para aquele álbum que tinha uma estética mais próxima do jazz, por isso decidimos tratar o fado de uma forma diferente, sem imitar ninguém, interpretando-o, apenas, à minha maneira.
DO: Se a vida da Rita fosse uma música, que música seria?
RG: Não sei responder a essa pergunta, até porque nunca parei para pensar nisso. Mas o próximo disco tem duas músicas que sou eu, tal e qual, em momentos específicos da minha vida, até porque as músicas foram compostas e as letras escritas tendo por base a minha própria vida e aquilo que considero que foram mudanças importantes e valores que gosto de ter presentes na minha mente.
DO: Relativamente ao tema “No meu canto”, porquê gravar uma música da sua autoria mais de 20 anos depois?
RG: Porque algum dia tinha de ser o primeiro, nunca tinha aberto aquela porta e naquele dia aconteceu. Para mim, é uma canção muito bem-sucedida, que tem a ver com uma fase específica da minha vida, com sentimentos, com sensações, com um olhar para o passado e com um olhar para o futuro. No novo álbum, tenho algumas letras a meias com o Mikkel Solnado. Escrever é uma atividade que suscita-me, cada vez, curiosidade e vontade de exercitar.
DO: O novo álbum será intimista como o anterior?
RG: O novo álbum é diferente, tem alguns temas bastante intimistas, mas trás algumas novidades e temas diferentes dos que o público está habituado a ouvir-me cantar. Não querendo, de forma alguma, desprender-me daquela que tem sido a minha identidade musical ao longo de todos estes anos, neste álbum experimentei sonoridades diferentes, abordagens diferentes e trabalhei com pessoas diferentes que têm outra experiência e estão noutros campos musicais, nomeadamente no R&B. O próprio Mikkel Solnado, por ter vivido tantos anos na Dinamarca, tem uma forma diferente de ver a música e trabalhar com ele trouxe, consequentemente, uma mudança. Este álbum tem também uma Dance Music criada pelo meu filho e pelo amigo dele, Tiago, para mim. A vida é para a frente e devemos abraçar novos desafios, eu sou uma mulher de desafios e gosto de experimentar áreas diferentes. À semelhança do que o álbum Rita fez há muitos anos que marcou uma viragem, este álbum vai virar ali, no cruzamento à direita, no bom caminho.