Setúbal e os setubalenses

Setúbal é uma cidade relativamente pequena, grande atracção turística graças ao rio Sado, aos passeios de barco, às praias e à serra. Uma cidade entre o rio e a serra. Mas o que dizer daqueles que vivem nesta cidade? Analisá-los implica fazer um processo semelhante quando se depara com formigas a transportar açúcar para o formigueiro, – cada uma com a sua devida função. Reparemos nas peculiaridades da formiga, comandadas por feromonas, e que obedecem a regras, e depois contextualize-mos naquilo que são os setubalenses. 

            Por mais encanto natural que a cidade exiba, os seus cidadãos são de um enorme desencanto. A meu ver, inseridos num meio pouco cultural, e atendendo que o povo tem sempre pouco interesse em estudar, perceber, intelectualizar, os setubalenses são pessoas dogmáticas. Carregam o seu açúcar para o formigueiro, algo precioso como quando formigas deparam com uma boa dose da especiaria. Este açúcar pessoal de cada um pode ser interpretado como um dogma seja de futebol (para os menos desenvoltos de Setúbal, o Vitória é o deus que alimenta o povo), quer de política, quer de religião. Estas formigas obedecem fielmente aos comandos da rainha, o seu trabalho. Tal como apanágio do povo, trabalham toda a semana, de forma taciturna e ressabiada, para no fim da semana poderem embebedar-se nas docas. Os setubalenses são pessoas que não se expandem, – vivem limitados, procurando o prazer básico, instantâneo, a gratificação imediata, a formiga que em vez de armazenar o açúcar recolectado, devora-o no momento, não sendo assim que deveria operar. 

Seria justo dizer que é um povo que tem qualidades, sim; mas como setubalense que sou, taciturno e ressabiado, vou cumprir com a minha tarefa e criticar ainda mais este povo. Quando falamos de uma cidade pequena que esperar se não gente igualmente pequena? Gente que não se amplia, não se instrói, que aceita ideias pré-fixas como verdades absolutas. O mesquinho, o olhar para o que outrem veste, um povo baixo, os mexericos de vizinhos, os bairros sociais que só acrescentam mais marginalidade, a gente que tem orgulho na terra onde nasce. Glorificam a sua terra como a melhor, revelando complexo de pénis pequeno – para compensar a falta de atributos que a natureza deu, exageram na apoteose da cidade, reduzindo todo o exterior a zero. Uma nota sobre isso: antes de ser setubalense, um setubalense é cidadão do mundo, e por isso não há que ter orgulho na terra natal. Acaso uma formiga vangloria-se por fazer parte de um dado formigueiro, igual a todos?

Por isso, a mensagem que deixo é simples: setubalenses, vocês não têm sangue azul e até o poeta predilecto da cidade explica preciosamente o nome do povo desta terra: «nunca vi tantos filhos da puta, na puta da minha vida». Orgulho de quê? Antes de olhar para a terra natal, os dogmas e as possessões materiais e pensar que aqui a relva brilha mais verdejante, considere que do outro lado também a relva é igualmente reluzente. 

Mas não é isto universal? 

ANDRE FRAGOSO SILVA, escritor