Um gajo nunca mais é a mesma coisa, com texto e encenação de Rodrigo Francisco vai estar em cena no TMJB de 1 a 31 de Outubro, de quinta a sábado, às 21h, e quartas e domingos, às 16h. O espectáculo é uma co-produção entre a a Acta – A Companhia de Teatro do Algarve e a Companhia de Teatro de Almada.
Um gajo nunca mais é a mesma coisa estreou recentemente, em Julho, no Festival de Almada, e tem como protagonista Luís Vicente, no papel de um ex-combatente da Guerra do Ultramar.
As Conversas com o Público regressam ao TMJB, todos os sábados de Outubro, às 18h, no foyer do teatro. A moderar as conversas vai estar a investigadora Maria José Lobo Antunes, que terá como convidados: no dia 2, Carlos Matos Gomes; no dia 9, Sara Roque; no dia 16, Joana Pontes; no dia 23, Paulo Faria; e no dia 30, Vasco Luís Curado.
“A minha mulher chorava por mim, porque um soldado não chora”: diz o protagonista, soldado à força, como os demais, numa guerra que foi sempre mais de outros do que de quem nela combatia. Em Um gajo nunca mais é a mesma coisa, o espectador encontrará um conflito bélico já bem distante, que nunca constituiu uma verdadeira memória colectiva, antes uma ferida aberta que se sente na carne, mas que ninguém quer ver, ninguém quer tratar. No evoluir deste espectáculo de teatro, convoca-se um cenário de guerra, onde estão soldados duplamente colocados ao abandono: abandonados, enquanto combatem, abandonados no estatuto de ex-combatentes.
Guerra colonial, colonialismo, o fantasma cada vez mais real da extrema-direita, o racismo, globalização e essencialmente a leitura de um passado à luz de um presente e o modo como estes se enfileiram na esteira de um futuro, são os vértices em que se move a peça. É um poliedro de pontos de vista, que se expõem no texto e na dramaturgia em palco; sempre oscilando entre um passado que se viveu (“se não estivermos cá quem contará a história?”) e um presente que o revive e, mais do que isso, o reconfigura. O protagonista, em palco, literalmente, é sempre duplo: o soldado na guerra e nos vários presentes por que passou, após o seu regresso à capital, sempre com a “guerra dentro do bolso.”
“Por conseguinte, por conseguinte”: é aos solavancos, com este bordão de linguagem repetido como um mote pela personagem principal, que se conta, rememora, remói, a história. No entanto, a narrativa da guerra colonial não é, nunca foi, feita nem de continuidade, nem de lógica causal interna, mas de saltos de perspectiva, em constante confronto e clivagem: a vivência dos ex-combatentes no passado; a memória desse passado e a sua presentificação permanente; a visão exterior da condenação subliminar, o olhar externo crítico, aqui, protagonizado pela personagem feminina, estrangeira, racializada, a realizar um pós doutoramento acerca do colonialismo e por isso tão longe das ambiguidades, não da guerra colonial em si, mas do soldado anónimo que a viveu sem escolha: “saímos heróis, regressamos facínoras”, diz o protagonista em dado momento, quando na verdade no teatro de guerra já nem heróis almejavam ser: “só queríamos voltar de lá vivos”.
Chegados ao fim do espectáculo, não é ao passado que o espectador se deixa aprisionar. Qual coro grego, escondido e lúcido, fixando o presente, interpretando-o, a pergunta é feita pela personagem feminina (mulher inglesa, de origem africana, tentando perceber de fora, num mundo globalizado, o colonialismo e dentro dele o caso português: “O que é que nós fizemos de mal, para termos agora esses fascistas todos de volta?”. A peça não dá respostas, mas a pergunta fica a ecoar, assim como o seu reverso, em cada um de nós: “o que fizemos de bem, afinal, neste processo todo?”. | Pedro Barros
Um gajo nunca mais é a mesma coisa (Sala Experimental do TMJB, de 1 a 31 de Outubro. De quinta a sábado, às 21h, quartas e domingos, às 16h.) M/16 | 1h30 |
Texto e encenação de Rodrigo Francisco
Intérpretes Afonso de Portugal, João Farraia, Luís Vicente, Pedro Walter e Lara Mesquita
Cenografia Céline Demars
Luz Guilherme Frazão
Música Afonso de Portugal
Som Andreia Mendrico
Figurinos Ana Paula Rocha
Montagem Carlos Janeiro, Paulo Horta, Ivan Teixeira, Daniel Polho e Filipe Neves
Fotos Rui Mateus
Co-produção ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve e Companhia de Teatro de Almada
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