Ao longo da minha existência, tenho conhecido milhares de pessoas. As minhas actividades, ora como professor, ora como tradutor oficial, ora como cantor lírico, têm-me permitido usufruir da imensa riqueza que advém dos contactos com pessoas de todos os tipos e personalidades, ora construindo amizades que muito prezo, ora criando oposições e também inimizades. Nunca me preocupei com o facto de agradar a Gregos e Troianos ; acho que , por vezes, temos de ser ou Gregos ou Trolanos, e saber tomar posições. Agradar a todos é pretensão vã. Acaba por nos tornar anódinos e invertebrados.
Há um tipo de pessoas que acho particularmente curioso. São aquelas que chamo de arautos da desgraça ou invocadoras das Fúrias. Tenho tido algumas pessoas mesmo no meu universo familiar que assumiam este tipo de comportamento. São as pessoas que em vez de dizerem “queira Deus que tudo corra bem”, dizem “Deus queira que não corra mal”, o que está longe de ser o mesmo, mal grado a aparente dupla negação. São as pessoas incapazes de visitar um amigo se ele estiver bem de saúde, mas que aparecem no momento em que sabem que ele está assolado por qualquer maleita. Vêm dar assistência na desgraça, sem nunca a terem dado em circunstâncias normais.
São as pessoas que toda a vida se borrifaram para que o casamento da melhor amiga corresse bem ou mal, mas que, ao saberem do divórcio, vêm “ajudar” a passar a crise. São as pessoas que, perante circunstâncias adversas, as tornam mais adversas empolando o que é mau, obnubilando o que é positivo e dando realce ao negativo. Estas pessoas parecem exultar na desgraça , retirando do desfile de tragédias e problemas uma espécie de satisfação orgiástica, qual prazer depois de um sexo bem conseguido – actividade esta muito mais saudável e ,acreditem, mais agradável que a outra.
Este tipo de comportamentos tem estado muito presente na sociedade portuguesa, já de si caracteristicamente dominada pela inveja e mesquinhice – é este, aliás, o principal defeito da Tugalândia e o principal empecilho ao seu desenvolvimento- nesta irrupção da dita pandemia do COVID, levando cidadãos aparentemente sensatos a vibrarem perante o crescendo – felizmente moderado e limitado- da mortandade, a exercerem actividade de bufos espiando quem sai e quem não sai â rua, julgando estar a contribuir de forma cívica para o equilíbrio social.
O Dr. Salazar também achava que a actividade dos bufos e da PIDE era importante para a paz social – a paz dos sepulcros eventualmente, que nunca a paz de uma sociedade viva e equilibrada. A ele devemos, infelizmente, o culto destas desvirtudes nacionais, da pequenice e da mesquinhez elevadas a virtudes teologais, que, sempre que há oportunidade, irrompem no nosso seio, com formas diversas, desde o comentário infeliz até à foto despropositada e publicada nas redes sociais, raiando entre a indiscrição e a grosseria, já para não falar no carácter delatório do acto. Mal empregada revolução, tão festejada e celebrada, que não soube acabar com estes estigmas, talvez porque quem exerce o Poder, democrático ou não, perceba que estas posturas ajudam à alienação e à incapacidade de análise.
Manuel Pedro Santos