É impossível descrever a vida numa cidade por inteiro, a vida pessoal dos seus habitantes, e isto porque uma cidade é composta por infinitas personalidades, e, consequentemente, infinitas formas de sentir, pensar e agir. A cidade é um ser vivo. Porém, uma coisa é certa, e tal axioma é irrefutável: os cidadãos fazem a cidade e a cidade faz os cidadãos. É um loop sem fim, onde os cidadãos acabam por caracterizar a cidade, conferindo-lhe uma descrição, um rótulo ou um paradigma; e, por outro lado, a cidade, o ambiente geográfico, a política dominante, as normas, e a própria estrutura da cidade acaba por caracterizar a psicologia dos cidadãos que nela habitam. 

Setúbal não é uma excepção, e, descrevendo alguns cenários que nela existem… 

Há o bairro social da Camarinha, onde jovens adolescentes rapidamente perdem-se para o mundo desregrado, fumando canábis e tomando uma atitude de baldas perante as aulas. Parece um estereótipo, mas em comparação com o Liceu de Setúbal, encontram-se jovens aplicados que tentam ingressar na universidade. Com certeza que as condições sociais, económicas e valores desses dois bairros encontram-se envolvidas nesse padrão estereotipado. 

Depois, há a vida social, e esta é bastante abrangente. Há sempre, e tal é universal, o grupo de amigos que se reúne às sextas-feiras nos cafés, nos bares, bebendo imperiais ou médias, e conversam sobre o que se passou na semana. Há outros que trabalham, e às sextas-feiras não têm grupos de amigos ou preferem não participar em tais reuniões. Neste último caso, muito provavelmente, a causa é o viciante Netflix and Chill. Estes que trabalham, podemos considerar que ou estão atrás de um balcão, tentando vencer pela vida para pagar as contas, ou podemos considerar pessoas que estão a seguir as suas derradeiras paixões. 

O comodismo e, consequentemente, o isolamento social, foi algo que se tornou incrivelmente banal com a tecnologia. 

Quando falamos em Setúbal e dos seus habitantes, falamos de pessoas que neste momento estão ferreamente apegados à tecnologia, uma prisão que prende o homem ao estilo de vida sedentário. Tal é visto nas ruas, onde existe sempre alguém com o sagrado telemóvel nas mãos. 

Mas há ainda mais…

Há aqueles que vivem a vida desregrada, bebendo, fumando, envolvidos no seu círculo, com medo de distinguir-se e no entanto acham-se livres, quando estão numa prisão. Há aqueles que desfrutam livremente dos benefícios que a cidade tem a oferecer, a cultura, as exposições de arte, o sacrílego clube do Victória. Há aqueles que decidem partir da cidade, rasgar novos horizontes, regressando somente em épocas de celebração e junção de família. Há aqueles que vivem agarrados à família, codependentes, e há aqueles que procuram por independência. Há aqueles que vivem da sopa dos pobres, por mau azar na vida, e vivem em asilos, ao passo que outros, alugam dos melhores apartamentos da cidade, por boa sorte na vida. 

E muito mais; dá-se o artigo por terminado com reticências. Como foi dito inicialmente, é impossível descrever uma cidade por completo, nem mesmo uma cidade pequena como Setúbal. 

Reticências.

André Fragoso Silva

Escritor