“Aeroportos há muitos, seu palerma.”
A saudosa frase podia, por caricato que pudesse parecer, aplicar-se a este tipo de infraestrutura, mas felizmente, só a escrevi para sublinhar a leviandade como o tema tem sido recentemente discutido.
Estamos, novamente a discutir a construção de um aeroporto em Portugal, na Área Metropolitana de Lisboa. Sim novamente, porque já se discutiu, várias vezes, e até já se decidiu.
E não venham as conversas de que só em Portugal é que isto acontece porque o “filme” repete-se nos outros países, mais a Norte e mais a Sul, com ou sem os copos que nos acusam de tanto gostar.
E porque é que a discussão se repete, e não apenas em Portugal?
Porque uma infraestrutura destas, catalisadora de tanta economia é disputada por qualquer território, região ou cidade. Porque revaloriza os terrenos, porque permite melhorar a especulação imobiliária que estagnou, etc.
E porque investimentos destes na ordem das centenas ou milhares de milhões de euros interessam a muita gente, não só pelo que podem ganhar com a decisão, mas porque dinamizam economicamente muitos atores.
Logo, as discussões racionais, técnicas e muito fundamentadas, são relegadas para um patamar secundário, porque se passa a ceder aos interesses e grupos de pressão, aos anseios de querer ser melhor que o outro, às expectativas legitimas mais ou menos localizadas.
E tudo mais confuso quando as decisões ou informações (ruído) sobre este investimentos são avançadas em período eleitoral, mais a mais, em período de eleições autárquicas.
É um facto que não há nem haverá aeroportos ao virar de cada esquina, pelo que a decisão de um novo na área metropolitana de Lisboa tem de ser feita com muita ponderação e reflexão. Será sempre polémica, mas analisados prós e contras, decidir procurando tirar o maior e melhor partido da decisão. São infraestruturas para uma vida! Não há muitos aeroportos e quem decide é tudo menos “palerma”!
Ora um anterior governo havia decidido um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete (territorialmente partilhado entre os municípios de Alcochete, Montijo e Benavente) e com ele a construção de uma ponte entre o Barreiro e Chelas com a componente ferroviária de alta velocidade.
Para além da questão da forma que enforma o processo de decisão, o calendário, a falta de diálogo, enfim, a construção do processo (que teria sido indispensável depois de se ter decidido em 2008 onde seria concretizada a infraestrutura), há que perceber os impactes que tal opção (a nova localização) tem sobre o território, nos ecossistemas, no ambiente (o trafego aeroportuário é fonte de imensa poluição atmosférica), no ruído, na mobilidade, na estrutura da margem sul, no que dela queremos… e a leitura que faço desta opção é que ficamos, na margem sul, com o parque de estacionamento dos aviões, com o ruído, com a poluição e o turismo vai para Lisboa (como se tudo isso só tivesse coisas boas para Lisboa). O pior mesmo é que tudo isto é assumido por causa das companhias aéreas de baixo custo, com a volatilidade que este negócio pode ter no tempo de vida de um aeroporto. Aliás, assistimos a uma companhia a desistir recentemente de uma rota para os Açores…
Por tudo isto e muito mais, seria muito mais lógico manter as opções tomadas em 2008, opções discutidas, avaliadas, que estruturavam o crescimento sustentado da área metropolitana de Lisboa, uma região unida pelo Tejo, uma cidade com duas margens, que ambiciona conseguir ter a escala de produto de outras cidades-região da Europa. Uma cidade que não pensa a margem sul como local para colocar apenas o que a margem Norte não quer ou onde não tem espaço para colocar, mas aquilo que estrategicamente faz sentido, o que seja a vontade das populações (da região e não apenas de algumas), potenciando as oportunidades que geramos.
E pode-se fazer o novo aeroporto faseadamente, há medida das possibilidades, financiado pelas tarifas aeroportuárias da mesma forma como o que se intenciona no Montijo, criando condições para ordenar o território a Sul, não pondo mais aviões a sobrevoarem territórios densamente povoados, catalisando a cidade aeroportuária nos antigos territórios industriais da margem sul, e sobretudo construindo um aeroporto onde possam aterrar todos os aviões e não apenas os mais pequenos (!) tal como foi avançado numa recente reunião porque a pista do Montijo é pequena…
Talvez seja de não reeditar a construção da ponte vasco da gama, que não estava planeada ser onde foi, que todos agora dizem ter sido um erro, mas o certo é que está lá. Ainda é tempo de evitar mais um erro de ordenamento do território e de desenvolvimento, porque efetivamente, aeroportos não há muitos…
Rui Lopo
Membro do Conselho Nacional do Partido Ecologista Os Verdes e Vereador na Câmara Municipal do Barreiro