O direito à habitação digna é um direito fundamental consignado no artigo 65º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Nos últimos anos, designadamente, com o incremento do turismo, da atribuição dos vistos gold e do arrendamento de curta duração, houve um aumento exponencial e, muitas vezes, desajustado, dos preços do arrendamento e da compra de imóvel. Se esta nova realidade – por todos sobejamente conhecida – desencadeou a revitalização de zonas antigas e degradadas, implicou, pelo lado negativo, uma pressão imobiliária atroz, algumas vezes acompanhada de práticas ilícitas, e a existência de atuais preços do mercado que não se coadunam com o rendimento dos cidadãos. Hoje, o acesso a uma habitação digna já não afeta apenas os mais carenciados, mas, igualmente, a classe média e os trabalhadores com rendimentos superiores ao salário mínimo.

Embora o problema em apreço se verifique um pouco por todo o território português, importa analisar o especial caso do município de Almada. Historicamente, a margem sul do Tejo é considerada a alternativa mais barata à capital, levando quem não pode comprar ou arrendar casa em Lisboa a optar por residir ali. No entanto, este quadro do mercado imobiliário almadense está a mudar, surgindo alguns números que deveriam começar a preocupar-nos. Vejamos.

Desde os valores mínimos de 2013, os bancos aumentaram em mais de 45% a avaliação que fazem dos imóveis residenciais em Almada, isto é, mais do dobro da média nacional, que se situa em 20% no mesmo período (valores de 2018).

Recentemente, o Instituto Nacional de Estatística (INE), relativamente ao terceiro trimestre de 2018, apurou o valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares em Almada em 1275 euros, fixando o valor mediano no país em 984 euros. O mesmo organismo referiu, igualmente, que, no segundo semestre de 2018, Almada tinha apresentado o sexto valor de renda mais elevado do país nos novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares (7,00 euros/m2), somente atrás de Lisboa, Cascais, Oeiras, Porto e Amadora, e muito acima do valor mediano a nível nacional (4,80 euros/m2). Enquanto no início de 2018 era possível arrendar casas por preços que rondavam os 350 a 500 euros, atualmente, os valores duplicaram ou mesmo triplicaram, havendo, hoje, muito poucas casas a 650 euros, situando-se a maioria entre os 850 euros e os 1250 euros.

Esta realidade cria especiais dificuldades aos jovens, que, sendo conhecida como a geração com mais estudos, são obrigados (i) a permanecer em casa dos pais até mais tarde ou (ii) a partilhar casa com amigos ou, inclusive, desconhecidos. Assistimos, hoje, a uma época em que aos jovens é vedada uma verdadeira emancipação e autonomização.

Mas os jovens estão fadados a este destino ou existem alternativas?

É genericamente conhecido o programa “Porta 65 Jovem”. Embora reconheçamos o valor deste programa, a verdade é que necessita de uma reconfiguração, já que tem-se revelado excessivamente burocrático e os limites dos valores máximos das rendas estabelecidos anualmente pelo Estado estão desajustados face aos atuais valores que se verificam. Basta pensar que o limite fixado pelo Estado para o município de Almada, em 2019, é o seguinte: €463 para T0 e T1, €575 para T2 e T3, e €748 para T4 e T5. Ora, como estes valores deixaram, praticamente, de ser praticados no nosso município, os jovens ficam, inevitavelmente, excluídos de se candidatar ao referido programa.

Os programas “1º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação” e “Porta de Entrada – Programa de Apoio ao Alojamento Urgente”, criados recentemente pelo Governo, sendo relevantes, não respondem, por não ser esse o seu objeto, ao problema de os jovens, apesar de terem um salário, não conseguirem arrendar ou comprar uma casa.

É urgente pensarmos soluções que permitam a existência de rendas acessíveis e dignas, e, igualmente, que permitam aos jovens ter direito à primeira habitação, que amenizem a obrigação de dispor de fiadores nos pedidos de empréstimos e a entrega de valores exacerbados a título de sinal. Mas as soluções que possamos encontrar não podem ser pensadas apenas à escala municipal, impondo-se uma política nacional para o problema.

No caso particular de Almada, é importante que os nossos cidadãos, e os nossos jovens em especial, tenham acesso à habitação digna e acessível. Mas é, igualmente, indispensável que o nosso território seja pensado de uma forma organizada e estruturada. A par do problema do acesso à habitação, é necessário pensar-se, cada vez mais, os espaços envolventes, com a criação de infraestruturas e de espaços verdes, para que o nosso concelho abandone o velho estigma de habitação massiva, de baixa qualidade e numa lógica de dormitório.

Porque os almadenses devem ter acesso a uma habitação e a espaços públicos adequados e dignos!

Daniel Teixeira da Silva

(Presidente da Concelhia de Almada da Juventude Socialista)