O presidente do Grupo Desportivo Fabril, António Fernandes, recebeu o Distritonline para uma conversa de fundo, franca e direta, essencialmente de olhos postos no futuro.
António Fernandes relembra o clube que recebeu e perspetiva o clube que um dia entregará a quem lhe suceder, um clube “necessariamente melhor” que cumpra as suas duas principais obrigações: “formar atletas e dar alegrias aos sócios”.
Nos parágrafos que se seguem temas como a mudança da equipa técnica nos seniores, os 50 anos do Estádio Alfredo da Silva, o atual e o futuro modelo de gestão do clube, a possível subida ao primeiro escalão de futsal, e muito mais estarão à disposição do leitor. Uma viagem imperdível pela realidade do clube do Barreiro.
Distritonline [DO]:Como avalia a prestação da equipa sénior no Campeonato Nacional?
António Fernandes [AF]: O Campeonato Nacional é uma experiência nova, porque, apesar de o Fabril ter competido durante uma série de anos na 3.ª Divisão Nacional, a época passada estávamos nos distritais. Começámos a época com alguns solavancos e a posição que ocupamos, atualmente, espelha isso, consequentemente introduzimos algumas mudanças, na equipa técnica e no próprio plantel e, neste momento, já invertemos a tendência de derrota quase consecutiva. Acredito sinceramente que, com espírito de sacrifício, vamos conseguir concretizar o nosso grande objetivo: a manutenção no CNS.
DO: Que efeitos teve a mudança da equipa técnica na moral da equipa?
AF: A mudança trouxe o que era esperado, ou seja, uma nova esperança. A equipa técnica anterior era muito competente, no entanto no futebol, por vezes, é preciso mudar.
DO: Sente que o fim da 3.ª Divisão dificultou a adaptação das equipas que ascendem dos distritais ao Campeonato Nacional Seniores (CNS), onde estão em prova algumas equipas semiprofissionais?
AF: Sinceramente, acredito que os quadros competitivos do CNS vão ter que ser revistos. Esta prova é, por um lado, muito onerosa e, por outro lado, há uma enorme disparidade entre as equipas em competição, há equipas que fazem treinos bidiários e equipas, como a nossa, que são constituídas unicamente por jogadores amadores. Na 1.ª Divisão Distrital as equipas são todas amadoras, o ritmo de jogo é completamente diferente e nós acusámos, de facto, essa mudança.
DO: Em fevereiro regressa a Taça da Cidade, quais são as expetativas?
AF: Nós queremos revalidar o título, como é evidente. Contudo, penso que a Taça da Cidade deve, acima de tudo, unir os adeptos na sua diferença. Há adeptos do Fabril, há adeptos Barreirense, mas todos têm uma paixão em comum: o futebol. Portanto, a Taça deve ser, sobretudo, um momento de alegria.
DO: Faz este ano 50 anos que o Grupo Desportivo da CUF bateu o AC Milan, no Estádio Alfredo da Silva, por 2 – 0 na Taça das Cidades com Feira. Durante este ano será feita alguma homenagem aos heróis de 65?
AF: Para além dessa data, faz 50 anos que o Estádio Alfredo da Silva foi construído. Na altura, quem esteve presente na inauguração foi o Sport Lisboa e Benfica e, sinceramente gostava de repetir esse feito e, homenagear durante o jogo os heróis de 65, até porque alguns dos jogadores ainda são vivos.
Eu defendo que temos o dever de perpetuar e relembrar a coragem de algumas pessoas que contribuíram para erguer este estádio e levar o nome do clube e, no sentido lato, da cidade além-fronteiras.
A CUF foi, provavelmente, a primeira SAD que existiu em Portugal, dado que era uma equipa alicerçada em fundos provenientes de um grande grupo económico. Contudo, atualmente é muito difícil, do ponto de vista económico, gerir esta estrutura, uma vez que o modelo de gestão atual, alicerçado na quotização, não é compatível com a dimensão desta infraestrutura, nesse sentido deve haver uma evolução do modelo de gestão que confira uma maior robustez económica ao clube e, consequentemente, que permita ao Fabril lutar por outros patamares.
DO: Como é que estão, atualmente, as finanças do clube?
AF: Quando esta direção entrou o clube vivia com muitas dificuldades e, inclusivamente tinha uma série de problemas de contencioso dos quais resultaram penhoras. Já resolvemos grande parte desses problemas, falta-nos atualmente resolver dois, sendo que um não foi resultado de qualquer procedimento do clube. O Fabril vive, essencialmente, da quotização, da Bomba de Gasolina, que está instalada nos nossos terrenos, das rendas do restaurante e da oficina, das mensalidades dos praticantes de modalidades, designadamente do ténis, do judo, e da escola de futebol. A escola de futebol tem sido um verdadeiro sucesso, no ano transato os jogadores ganharam todos os troféus que disputaram, o que é, efetivamente, um sinal de renovação.
DO: No entanto, referiu que é necessária uma mudança de gestão, que mudança pretende levar a cabo?
AF: No futebol nacional, atualmente, existem dois tipos de estruturas: a Sociedade Anónima Desportiva (SAD) e a Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ). É evidente que dependerá sempre da decisão dos sócios, mas considero que a constituição de uma SDUQ pode ser um caminho a trilhar.
DO: O Fabril é considerado por muitos uma das melhores escolas do país, contudo as equipas de formação – iniciados, juvenis e juniores – encontram-se, presentemente, a disputar campeonatos distritais. O que é que está mal?
AF: Os processos formativos são processos muito lentos. A introdução da escola de futebol aos poucos já está a dar resultados e a mancha ganhadora tem vindo a desenvolver-se, inclusivamente a escola de futebol já chegou aos iniciados. Relativamente aos juvenis, o ano passado estivemos no Campeonato Nacional é certo que não tivemos um grande êxito, faltava-nos uma certa tarimba, no entanto esse facto evidencia que já está a verificar-se uma mudança. Esta época, as equipas de iniciados, juvenis e juniores estão muito bem posicionadas.
A fidelização de atletas nessas camadas é cada vez menor, porque por um lado as exigências do futebol fazem com que muitos atletas abandonem a modalidade e, por outro lado, os que têm mais qualidade são cobiçados por equipas mais poderosas e os clubes mais pequenos não têm quaisquer direitos sobre os atletas que formaram.
DO: Sente que muitos dos jogadores abandonam o futebol quando percebem que não vão conseguir atingir os patamares que tinham projetado, designadamente o profissionalismo?
AF: Sim e também porque as crianças quando são mais jovens têm um acompanhamento muito próximo dos pais, que vai sendo menor a medida que vão crescendo, por vezes por vontade dos próprios atletas que querem autonomizar-se. E, o futebol é muito exigente, condiciona férias, as saídas com os amigos, a alimentação, os atletas têm que ter uma vida muito regada e a compensação é muito pouca e chega a uma altura que quando os jogadores olham para o futuro e percebem que a vida profissional dificilmente passará pelo futebol tendem-se a agarrar mais à escola e a colocar de parte o desporto.
DO: Apesar da grande aposta na formação, as oportunidades na equipa principal para os jogadores que sobem a seniores continuam a ser residuais. Porquê?
AF: O futebol transformou-se numa indústria, e nesta indústria as fronteiras são cada vez mais ténues e há muitos players, designadamente os empresário. Por vezes é mais fácil trazer um jogador que foi formado noutra equipa.
É preciso que a Federação Portuguesa de Futebol crie mais incentivos. Que incentivos têm atualmente os clubes, como o Fabril, para formarem bons jogadores? A triste verdade é que quanto melhores eles forem, mais rapidamente vão embora, e o clube não os pode segurar, é evidente que ficamos com direitos desportivos, mas a verdade é que só conseguimos tirar rentabilidade desses direitos quando e se os jogadores algum dia assinarem um contrato profissional.
Além disso, existem poucos mecanismos de articulação com as escolas que facilitem e compatibilizem a exigência do treino desportivo, com a atividade escolar, designadamente na marcação de exames e dos testes.
Um dos grandes desafios que a FPF, as associações, os clubes e os dirigentes têm pela frente é conseguir mais apoios que permitam aos clubes formar e apostar no jogador português, porque a nossa apetência para a modalidade é inquestionável.
DO: E é um desafio que também tem de ser incutido nos técnicos que preferem apostar num jogador com 30 anos do que num jogador saído da formação?
AF: Os técnicos têm uma vida difícil, vivem dos resultados e, por isso, preferem apostar em jogadores que lhes dão mais confiança. No entanto, se os regulamentos forem revistos e a FPF introduzir medidas que levem os clubes a apostar mais nos jogadores mais jovens, a situação passa a ser, provavelmente, diferente.
O Fabril tem entre 800 a 900 atletas e ao investirmos na formação desses atletas estamos, consequentemente, a investir na sociedade do futuro, por isso deveríamos ser recompensados.
Eu defendo que devia de existir uma maior integração do meio associativo com o meio escolar, por vezes há professores de Educação Física que não têm horários completos, esses professores podiam estar, suportados financeiramente pelo estado, a treinar equipas em clubes sem fins lucrativos. O país tem de otimizar recursos, quanto melhor utilizarmos os nossos recursos, mais estamos a valorizar a sociedade.
DO: Relativamente ao futsal, sonham subir novamente este ano ao primeiro escalão?
AF: O sonho comanda a vida, e nós jogamos sempre para ganhar. O futsal está na moda e é uma modalidade diferente do futebol, essencialmente porque não é tão onerosa, tem menos jogadores e, atualmente, ainda existem muitos clubes grandes que não apostaram no futsal, o que permite aos clubes pequenos estar no topo.
Atualmente temos uma equipa técnica competente e, sobretudo, estabilizada, e a estabilidade é base essencial para o crescimento. E, não escondo, que gostávamos de voltar à 1.ª Divisão Nacional. Quando disputamos a 1.ª Divisão pagámos uma fatura dupla, porque para além de estarmos no primeiro escalão tivemos também na Final Four da Taça de Portugal de Futsal e como tínhamos um plantel muito curto tivemos uma grande quebra. No entanto, se analisarmos friamente a pontuação, na primeira fase por um ponto não conseguimos na segunda-fase estar na série de não descida e descemos no jogo em Cascais, a 30 segundos do fim estávamos empatados e o resultado servia para assegurarmos a manutenção, depois sofremos o golo, foi difícil de gerir.
DO: Em relação às outras modalidades, como é que avalia a prestação dos atletas?
AF: Nós temos tido bons resultados nas mais diversas modalidades, designadamente no Judo, na Patinagem Artística, nos Trampolins, no Remo. Definitivamente há saúde no clube.
DO: É difícil incutir a mística do clube, que provêm sobretudo do futebol, nas modalidades?
AF: O Fabril era um clube que estava alimentado por uma fábrica e tinha, consequentemente, uma determinada conotação em cima, por outro lado as instalações eram excêntricas, em relação à cidade. No Barreiro existem diversos clubes, no entanto o nosso grande rival sempre foi o Barreirense, que tal como o Luso tem uma génese mais popular. E a nossa massa associativa foi ficando envelhecida, mas há cerca de dez anos nota-se uma progressiva renovação, o número de sócios também aumentou, atualmente temos 2800 sócios.
Não tenho dúvidas que quem vai restituir a mística é esta fornada de miúdos que estamos a formar, que têm sete, oito e nove anos, que estão a conquistar diversos troféus e a encher-nos de orgulho.
DO: Como é que surgiu a oportunidade de aderirem ao programa Eco-Desafio?
AF: Quando cheguei ao clube, existiam graves problemas financeiros e tive necessariamente que olhar para as receitas e para as despesas e perceber onde era possível economizar.
Contudo, para reduzirmos custos tínhamos que fazer, primeiramente, investimentos e nós não tínhamos recursos, por isso, procurámos ferramentas e o Eco-Desafio surgiu como uma oportunidade para resolver dois problemas, a falta de gás e os elevados custos energéticos. Através da CM do Barreiro, já tínhamos conseguido também resolver um problema complicadíssimo, o grande número de ruturas de água que existiam no complexo.
No âmbito do Eco-Desafio instalámos painéis solares e instalámos uma rede de gás em depósito. Entretanto, candidatamo-nos a outro projeto do Eco-Desafio e, consequentemente, no primeiro semestre deste ano queremos substituir a iluminação do pavilhão por iluminação LED.
DO: Como é que se define enquanto presidente do GD Fabril?
AF: Sou determinado. É um projeto que consome muito tempo, mas tenho a felicidade de ter ao meu lado um grupo muito coeso, constituído por pessoas que confio e que gostam de ajudar. E, por outro lado, a certeza que estou a fazer algo em prol da sociedade dá-me a energia que preciso para continuar a lutar.
DO: Que futuro vislumbra para o clube?
AF: Eu não vou ficar cá eternamente, mas estou no segundo mandato que termina em 2017, e não deixo nada a meio. Uma das minhas grandes preocupações é criar condições para que quem vier substituir esta direção encontre um clube melhor do que nós encontramos, no qual as bases já estejam lançadas para que o clube possa continuar a cumprir as suas obrigações: formar atletas e dar alegrias aos sócios.