Nuno Ricardo Belchior nasceu no Barreiro, em 1982, e desde cedo demonstrou aptidões futebolísticas no futebol 11 e no futsal.
Mas foi a aptidão para jogar na areia, os golos e os remates acrobáticos que tornaram o camisola 10 da seleção das quinas uma figura ímpar da modalidade, consagrada por um espólio de títulos coletivos e distinções individuais, nomeadamente a bola e bota de bronze e o título de melhor golo da FIFA.
Depois de já ter passado pelo campeonato italiano, russo e dos emirados árabes unidos, hoje, regressou ao Campeonato Nacional de Futebol de Praia de leão ao peito. Mas antes de pisar as areias, que o sagraram um dos melhores jogadores do mundo da modalidade e lhe deram a alcunha de “Cristiano Ronaldo das Areias”, esteve à conversa com o Distritonline.
Distritonline [DO]: Sempre sonhaste ser futebolista?
Nuno Belchior [NB]: Sim, sempre sonhei ser futebolista apesar de, desde miúdo, ter a noção clara de que este era um sonho difícil de concretizar.
DO: Estiveste perto de, ainda na formação, integrar o plantel do Benfica. O que falhou?
NB: Olhando para trás acredito que não falhou nada. Foi uma opção dos meus pais, tinha 12 anos e eles não tinham condições para levar-me, diariamente, a Lisboa aos treinos, nem queriam que fizesse esse trajeto sozinho, por isso continuei a jogar nos clubes do Barreiro. É óbvio que essa poderia ter sido uma oportunidade única na minha vida e tenho pena de não ter pelo menos tentado, mas compreendo a posição dos meus pais e sei que a tomaram para me proteger.
DO: Como é que se deu a tua entrada no futebol de praia?
NB: Posso dizer que o futebol de praia apareceu do nada na minha vida. Na altura, um amigo meu, chamado Bailão, que era muito próximo do Nunes, antigo capitão da seleção nacional de futebol de praia, pediu-lhe para eu ir experimentar a modalidade, acabei por ir, o treino correu bem e nunca mais parei. Acredito que se não tivesse aparecido esta oportunidade hoje em dia jogava à bola por brincadeira, é muito complicado em Portugal, mesmo numa 2ª divisão, viver do Futebol.
DO: Quais são os teus principais trunfos enquanto jogador?
NB: Acredito que é uma mistura de técnica, velocidade e força. Eu desconhecia completamente o futebol de praia, comecei aos poucos e hoje em dia posso dizer que sou um dos melhores jogadores da modalidade a nível mundial e isso dá-me uma satisfação enorme.
DO: Já ganhaste vários títulos, não só coletivos mas também individuais, nomeadamente a Bota e Bola de Bronze e o título de melhor golo das competições da FIFA. Os prémios individuais dão-te ainda mais força para continuares?
NB: Desde que comecei a jogar futebol sempre tive consciência que tinha muita qualidade, e essa consciência não beliscou a minha humildade e vontade de trabalhar, pelo contrário. No entanto, a verdade é que sempre quis ser o melhor e não apenas mais um dentro de campo. Os prémios mais importantes que conquistei na minha carreira foram, sem dúvida, os coletivos, mas os prémios individuais dão-me uma motivação-extra e a certeza que fiz a escolha certa.
DO: Nos vários campeonatos que já disputaste, designadamente na Rússia e nos Emirados Árabes Unidos, notaste diferenças na forma como a modalidade é encarada nesses países?
NB: Infelizmente, notei muitas diferenças. Sobretudo na Rússia, onde o futebol de praia está ao nível das outras modalidades de topo, o que se espelha não só nas condições que usufruímos, enquanto jogadores, mas também na qualidade do campeonato, para mim, o melhor do mundo. O campeonato português ainda está numa fase inicial e há falta de investimento, eu também preferia jogar apenas no campeonato nacional e usufruir das condições que tenho no estrangeiro, mas neste momento é impossível.
DO: Mas não é um contrassenso a Rússia ser um dos países que mais apoia o futebol de praia, quando este é um desporto, maioritariamente, associado aos países quentes?
NB: Sim, mas a verdade é que a Rússia é bicampeã do Mundo e bicampeã da Europa e não é por acaso que as coisas acontecem, os títulos são fruto dos investimentos que são feitos na modalidade.
DO: Sentes que o facto de o futebol de praia inicialmente ser considerado uma brincadeira a que se associavam ex-jogadores profissionais como o Éric Cantona e o Hernâni, descredibilizou a modalidade?
NB: Sim, como ouvi algumas vezes, eramos vistos como o grupo de amigos que ia jogar para a praia, mas acredito que a imagem tem mudado ao longo dos anos. Atualmente, o futebol de praia é reconhecido como uma modalidade séria e credível e, a maioria das pessoas sabe que nós, enquanto jogadores, temos responsabilidades de topo.
DO: Como é que explicas que o Sporting seja o único dos três grandes a participar no Campeonato Nacional de Futebol de Praia, apesar de a nossa seleção ser considerada uma das melhores do mundo?
NB: É difícil de explicar. A nossa seleção está no topo há muitos anos e o nosso campeonato está a começar agora, o que não faz sentido. Para a seleção que temos devíamos ter um campeonato forte, competitivo e com outras condições. Felizmente, temos excelentes jogadores da modalidade que conseguem fazer, aquilo que considero, um verdadeiro brilharete na seleção. No entanto, espero que a realidade mude e que, rapidamente, os três grandes sejam englobados no Campeonato Nacional, para que o futebol de praia tenha o crescimento que merece.
DO: Hoje começas a disputar o Campeonato Nacional de leão peito, jogar pelo clube do teu coração dá-te outra responsabilidade ou outro prazer?
NB: Acima de tudo, dá-me outro prazer. Porque, independentemente da camisola que envergue, o nível de responsabilidade e de concentração é sempre o mesmo.
DO: Se pudesses eleger os acontecimentos mais marcantes da tua carreira, quais seriam?
NB: Negativamente, a derrota contra a França, em 2008, na final do primeiro mundial organizado pela FIFA, depois de termos eliminado o monstruoso Brasil nas meias-finais, no Rio de Janeiro. Tivemos a taça na mão e deixámo-la fugir, não sei se por excesso de confiança ou por desgaste físico, mas definitivamente não era o nosso dia. Espero um dia ter uma nova oportunidade e vencer, de preferência no próximo ano em Portugal.
Mas também já tive muitos bons momentos, particularmente em 2003, quando vencemos o primeiro mundialito e quando venci a bola e bota de bronze, apesar de nesse ano, na minha opinião e na opinião daqueles que acompanham de perto o meu trabalho, merecer a bola de ouro.
DO: Estás quase a completar 32 anos. Quais são os teus projetos para o futuro?
NB: Para já quero continuar a jogar, no futuro penso que posso vir a dar cartas como treinador dentro da modalidade, pela experiência que tenho acredito que posso ajudar a modalidade a crescer noutros países, nomeadamente no Dubai, onde joguei o ano passado e vou, em princípio, jogar este ano.