Foi a cantar com os Onda Choc e as Popeline que Marisa Liz aprendeu a encarar o público e a trabalhar em equipa. Depois, a voz intensa, as letras e uma forma ímpar de estar em palco fizeram o resto, ou seja, conquistaram o público.

A vocalista dos Amor Eletro é a prova viva que as mulheres não se medem, claramente, aos palmos.

Divertida, sensível, guerreira, sonhadora, mas também muito pragmática. É esta a Marisa Liz que damos a conhecer nesta entrevista.

Senhoras e senhores, a vocalista dos Amor Electro…

 

Distritonline [DO]: Começaste a cantar aos 11 anos, sempre tiveste a certeza que querias ser artista apesar das dificuldades inerentes a esta profissão em Portugal?

Marisa Liz [ML]: Eu tinha a certeza que queria cantar, mas penso que não tinha a noção do que é que isso queria dizer na prática e, sobretudo, o que é que envolvia seguir uma vida na música. No entanto, já tinha percebido, dentro de mim, que era isto que queria fazer o resto da minha vida.

DO: De repente, a Marisa Liz do pop, que fez parte dos Onda Choc e das Popeline, aventura-se nos meandros do rock. Como é que se deu essa transição?

ML: Eu acho que ainda não cheguei bem ao rock (risos). É uma fusão entre o rock, o eletrónico e o tradicional. Na verdade, foi um caminho, à medida que o tempo passa, vais conhecendo outros estilos musicais e acabas, consequentemente, por mudar os teus hábitos e as tuas próprias influências.

Eu lembro-me que quando pertencia aos Onda Choc ouvia The Doors e Led Zeppelin, ou seja, músicas completamente diferentes daquelas que interpretava. Ainda assim, gostava muito de pertencer ao grupo e, para mim, era uma felicidade enorme percorrer o país a cantar.

Mais tarde, comecei a cantar em bares, ingressei na Escola de Jazz – onde nasceu a ligação ao Jazz -, posteriormente fui estudar para a Escola de Música de Almada e comecei a ouvir outros estilos de música, nomeadamente rock, por influência do Tiago.

Até conhecer o Tiago, nunca me tinha passado pela cabeça cantar rock, aliás, alguns sons causavam-me, inclusivamente, pesadelos.

DO: Mas temias que o facto de teres pertencido a bandas infantojuvenis marcasse o teu percurso, enquanto artista, pela negativa?

ML: Não. Tenho muito orgulho do meu caminho e em ter feito parte dos Onda Choc e das Popeline, foi uma aprendizagem muito importante, porque foi durante esse percurso que aprendi a lidar com o público e a trabalhar em equipa, algo que para mim é fundamental.

Sinceramente, não me vejo a cantar a solo. Gosto, claramente, de trabalhar em equipa, quando ganhamos, ganhamos todos e quando perdemos, estamos juntos.

Não me arrependo de nada do meu passado. Cometi erros, como toda gente, fiz coisas que devia ter pensado melhor, mas isso faz parte da vida, e tudo o que vivi tornou-me na pessoa que sou hoje.

DO: “Eu sou do tamanho do que vejo. E não, do tamanho da minha altura”. Sentes que esta frase poderia ter sido escrita para ti?

ML: Podia, mas não foi (risos). A questão da altura acompanha-me desde sempre, na escola sempre fui a mais pequenina da turma. Na minha adolescência, confesso que chateava-me um bocadinho, principalmente quando andava nos transportes públicos, porque quando queria sair numa paragem, levantava o braço e dizia que queria sair, mas ninguém me via e continuavam a olhar em frente, como se nada fosse. Mais tarde, abracei a altura como uma das minhas características. E, sinceramente, hoje em dia, não gostava de ser de outra forma.

DO: Quando surgiram esperavam que os Amor Electro transformassem-se neste fenómeno?

ML: Não. Eu tinha a noção que as coisas iam correr bem. Não sei bem o que é que isso quer dizer, porque ainda hoje não sei o que é exatamente ter sucesso. Para mim, correr bem é estar feliz, é ter a minha família e os meus amigos comigo. No fundo, é fazer o que gosto com as pessoas que eu quero.

A nossa energia, enquanto banda, é realmente muito boa, não é para a televisão e/ou para as revistas. E, é essa energia que nos dá força e motivação para continuar. Se não fosse assim, provavelmente estava noutra banda ou a fazer outras coisas.

Quando saí dos Donna Maria, depois de dois álbuns de sucesso, «Tudo é para sempre» e «Música para ser humano», em que recebemos, inclusivamente, o galardão de Disco de Ouro, regressei aos bares, ou seja, voltei, novamente, à estaca zero. Mas, a certeza de que queria fazer música, independentemente da venda de discos, mantinha-se intacta.

E, aconteceu-nos algo que não acontecia há muitos anos, foi a editora Valentim de Carvalho que reparou em nós, foi buscar-nos aos bares e deu-nos a oportunidade de gravarmos um disco. Nós queríamos gravar um disco de versões, mas a Paula Homem, da Valentim de Carvalho, obrigou-nos a fazer originais e, assim, surgiu A Máquina que, de repente, tornou-se em tudo aquilo que os portugueses sabem.

No entanto, apesar de termos ficado claramente surpreendidos, não ficámos deslumbrados. Todos nós estávamos neste meio há tempo suficiente para saber que hoje estamos em cima, mas amanhã podemos estar lá em baixo.

Acima de tudo, ficámos muito contentes por sentirmos que as pessoas entenderam e compreenderam a nossa música e por a nossa música fazer a diferença na vida de alguém, isso, no meu caso particular, é o que me deixa mais emocionada. Por outro lado, sinto-me muito feliz por darem-me carta-branca para compor e interpretar as canções que fazemos.

DO: Vocês optaram por uma imagem diferente, um estilo muito próprio, mais teatral. Porquê?

ML: É natural, eu chamo-lhe o meu alter-ego. Eu não interpreto uma personagem quando estou em palco, mas tenho uma espécie de superpoder que ninguém vê, só eu é que sinto.

Eu sou a mesma pessoa em cima do palco e fora dele. No entanto, a forma como eu me apresento é completamente diferente. Fora do palco, sou muito simples, nunca ando maquilhada. Mas, cada vez que eu subo ao palco é como se fosse brincar às bonecas, ou seja, o palco é onde posso, efetivamente, brincar com os super-heróis e vestir roupas que, de outra forma, só poderia vestir em sonhos. Se saísse à rua vestida com as roupas que uso em palco, provavelmente, internavam-me.

Por outro lado, é algo que dá-nos, verdadeiramente, prazer. Na prática, é uma brincadeira, mas também um trabalho que levamos, necessariamente, a sério. Nós levamos o nosso trabalho a sério, mas não nos levamos nada a sério…

DO: O que vem primeiro… a letra ou a melodia? Como acontece o processo de composição nos Amor Electro?

ML: Em 99,9% dos casos a melodia. A base harmónica, a melodia e só, posteriormente, a letra.

DO: Se compararmos os Amor Electro de 2011, data em que foi lançado o álbum Cai o Carmo e a Trindade, com os de 2013, em que foi lançado o disco Revolução, mais rock, mas também mais cru, notam-se diversas mutações. Esse percurso foi motivado pelo amadurecimento da banda ou por uma procura de adaptação às novas tendências do mercado musical?

ML: Não seguimos modas. O primeiro disco era mais arrumadinho, muito produzido e, de certo modo, mais minucioso, porque estávamos mais atentos aos sons e às afinações. No segundo disco, vínhamos de três anos de estrada e estávamos muito mais abertos ao erro, por isso é um disco mais orgânico, mais natural. É óbvio que há uma produção, uma preparação da história que queríamos contar, mas é mais rock e mais cru.

No entanto, essas mutações aconteceram porque vínhamos com essa vibe da estrada e até fugimos ao que se estava a passar no mercado, hoje em dia o rock não está, definitivamente, a bater como bateu nos anos oitenta. Nesse sentido, fomos contra a corrente, mas o importante é sermos sinceros com a música que queremos fazer.

O nosso grande objetivo é que aos primeiros acordes as pessoas percebam, imediatamente, que é Amor Electro. Temos a noção que é um objetivo lixado de alcançar, mas estamos a tentar chegar lá.

DO: Quais são os segredos do vosso sucesso?

ML: Eu não sei se são segredos… É um misto de muito trabalho, de acreditarmos muito em nós e, também, de sorte.

Para se ter sucesso é preciso acreditar, quando tu acreditas fazes com que os outros, mais cedo ou mais tarde, também acreditem em ti. No nosso caso concreto, tivemos várias pessoas a dizer-nos que não ia resultar, mas nós acreditámos que o nosso trabalho iria ser reconhecido, mais que não fosse pela nossa família, pelos nossos amigos e, em primeiro lugar, por nós próprios.

DO: Do vosso reportório, qual a tua canção favorita?

ML: É difícil… Isso é o mesmo que perguntares de que filho é que eu gosto mais, é mau, porque, independentemente da resposta, vai sair mal de qualquer forma (risos).

Todas as músicas são especiais, porque fazem-nos recordar alguma situação específica ou provocam-nos uma emoção diferente.

A nossa música mais emocional é, definitivamente, a Flor Azul, porque é dedicada à Beatriz [filha da Marisa Liz e do músico Tiago Pais Dias]. É a única música que escrevi a título pessoal, sobre a minha vida e, particularmente, sobre os meus sentimentos. Essencialmente, a Flor Azul é dizer em poucas palavras o que sentimos por ela, não foi nada fácil, acho que conseguíamos escrever um milhão de discos baseados nesse amor.

DO: Em relação ao futuro, quando surgirá o novo álbum?

ML: Neste momento, estamos a compor o nosso terceiro álbum, com muito pouco tempo porque, felizmente, estamos cheios de concertos. Mas, se tudo correr bem, será lançado no início do próximo ano.

DO: Fora do palco e dos ecrãs, como é a Marisa Liz?

ML: A pessoa mais normal que possas conhecer. Sou mãe, cuido dos meus filhos, da minha casa…

DO: Mas, não cozinhas…

ML: Não (risos). Faço as papas e tudo o que envolve o Tiaguinho, mas o almoço e o jantar são da responsabilidade do Tiago. Quando não é o Tiago a cozinhar, a nossa filha pergunta logo quem é que fez a comida, com ar de que não está nada bom, então, sabe, logo à partida, que fui eu.

Sou muito caseira, gosto muito de estar em casa com os meus amigos a jogar às cartas e a falar de música, da vida e do futuro.

DO: E como é que mudou a sensibilidade da cantora, da artista, depois de seres mãe?

ML: Eu sempre fui muito sensível ao mundo que me rodeia, o sofrimento dos outros – pessoas ou animais – marca-me de uma forma brutal. Mas, depois de ser mãe, muda tudo, até a forma como vemos a nossa mortalidade.

Por exemplo, eu acho que antes de ser mãe pensava que era imortal, que conseguia tudo, que se saltasse de um prédio não ia morrer, podia ficar aleijada, mas só isso, só, salvo seja!

Antes de ser mãe adorava andar de avião, agora é: Quanto tempo é que vai demorar? Qual é o avião? Quem é que vai pilotar?

Comecei a ter n de medos, que são normais, mas que tenho de os afastar. Não podemos levar a vida com medo, porque se não, não estamos a viver.

DO: Ainda tens a certeza que um dia vais ser uma ninja?

ML: Não. Já passou o meu ‘timing’. Eu já tentei praticar Aikido, mas era tão má que o próprio professor desistiu de mim.

Na verdade, há uma razão para eu não tocar nenhum instrumento, não é porque eu não queira, é porque tenho uma descoordenação motora muito grande, que até se nota a dançar.

Eu tenho um grande fascínio pelo mundo oriental desde os tempos em que, em miúda, vibrava com os filmes dos mestres, do Bruce Lee… Um dos meus filmes preferidos é o “Kill Bill”. E, esse fascínio marcou de forma subtil – se calhar inconscientemente – o meu lado guerreiro.

No fundo, eu sei que a gravidade existe, mas, ainda assim, vou lutar contra ela…