A frase parece caricata mas é, neste momento, o paradoxo do “desconfinamento dos livros”.
Quando o Governo quis renovar o Estado de Emergência, o Presidente da República fez algumas exigências para que fosse aprovado. Uma delas, o dito “desconfinamento do livro”, a permissão de venda de livros cuja proibição vinha desde há algum tempo a gerar polémica. 
O executivo de António Costa acatou a exigência, tendo até o PM dito que foi “proibido de proibir” a venda de livros, mas aplicou-a mal, a meu ver. 

Aquilo que inicialmente parecia ser uma boa notícia para leitores e livreiros, veio a revelar-se motivo de indignação. A venda de livros passou a ser permitida apenas em estabelecimentos que já tinham permissão para estar abertos ou que também vendessem material de papelaria. Esta condição excluí à partida os livreiros e alfarrabistas que trabalham de forma independente. 

Aquelas livrarias tradicionais dos nossos bairros, com gente que cria pequenos mundos de livros e que apresenta uma oferta única e diversificada  – e que a mim tanto me agradam – essas estão impedidas de disponibilizar um dos mais básicos e essenciais meios de cultura e educação, o livro. 

Não tem lógica impedir estas pessoas de trabalhar e de cortar um canal de comercialização quando se decreta que o produto, não o principal mas o único da sua atividade, tem luz verde para venda. 
A Rede de Livrarias Independentes tem se manifestado acerca do assunto, e bem, pedindo a alteração da situação atual – sugerem que o livro seja considerado um bem de primeira necessidade para que as livrarias possam trabalhar.
Estes pedidos dos livreiros são justos e devem ser ouvidos. Se não se quiser permitir mais um estabelecimento onde é permitida a circulação de pessoas, como deve ser o caso, tendo em conta a crise pandémica que atravessamos, deve ao menos permitir-se a venda ao postigo.

Os livros são transmissores de conhecimento e o confinamento tem sido também uma oportunidade de muita gente se reconciliar ou até de se iniciar nos hábitos de leitura. Havendo possibilidade de incentivar, em segurança, estes comportamentos e ao mesmo tempo não estrangular os negócios de pequenos e médios livreiros, então porque não fazê-lo? 

O mesmo se passa com as bibliotecas públicas que, para além de disponibilizarem online, em formato digital os seus livros, poderiam e deveriam ter a possibilidade de requisição ao postigo. Por muito que nos custe ouvir, não estamos todos adaptados ao mundo digital (como se tem visto também com as dificuldades das famílias com as aulas em casa), seja para fazer encomendas ou ler livros. Há que procurar soluções para todos e não discriminar ninguém. 

O verdadeiro desconfinamento do livro passa pelas pequenas livrarias. Este é um dos habitats naturais do livro. Espero que em breve se emende um erro que relega para papel secundário quem dá ao livro um papel principal na sua vida. 

João Conde