Gostaria de convidar todos os leitores a assistir a uma curta metragem que produzi recentemente, e que é uma tentativa de oferecer soluções reais e praticáveis para os problemas económicos e sociais tornados prevalentes pela pandemia de SARS-Cov-2. Sim, eu sou o indivíduo que os leitores terão o infortúnio de ver a falar durante o filme, mas o facto é que o filme em si não está inteiramente mal produzido e até tem boas ideias para avançar, portanto, porque não dar-lhe uma chance? Suponho que não se vão arrepender.
Para ver a curta metragem, que está publicada no YouTube, basta clicar no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=RdtOibrf_4o&feature=youtu.be.
Espero que gostem do filme e, já agora, peço-lhes que o partilhem com amigos e conhecidos! Enquanto produtor freelance, não usufruo da vantagem de publicidade institucional, pelo que o meu trabalho depende do seu próprio público para ter alguma forma de visibilidade.
O seguinte é uma adaptação do guião da curta metragem.
Desde que a pandemia de COVID surgiu em Wuhan, na China, em finais de 2019, o vírus já se propagou ao longo de todo o mundo, deixando atrás de si um rasto de infecção, contágio e morte, e ameaçando vir a perdurar vários anos, uma vaga após a outra.
Economias foram forçadas a parar meses a fio, e países inteiros entraram em confinamento. Aqui e ali economias vieram a reabrir, mas mesmo essas reaberturas foram apenas tímidas e atenuadas. Agora, muitas voltam a fechar, sob novos surtos de COVID.
A vida tornou-se incerta e imprevisível. Em quase todo o lado, àreas que antes eram agitadas, e ruas que antes eram movimentadas, tornaram-se estranhas e despopuladas, tantas vezes até inóspitas. Houve uma redução dramática da actividade. Tudo foi seriamente afectado, dos negócios locais ao comércio internacional, e a economia global tem vindo a passar por um considerável declínio.
A larga maioria das empresas perdeu rendimentos. Muitas faliram, ou estão em vias de falir. Ao longo de todo o mundo, o desemprego explodiu. Os rendimentos das famílias decaíram e continuam a decair, em especial entre as populações mais pobres. Em muitos casos, isto está a levar a precariedade e a desespero. Muitas economias estão essencialmente estagnadas: não há dinheiro suficiente a circular e a passar de mãos em mãos para meter as coisas a funcionar normalmente. Ao mesmo tempo, os estados têm gasto fortunas para fazer frente ao vírus, e para manter os seus países à tona. Isto está a levar a enormes buracos orçamentais, e isso é especialmente grave nos países subdesenvolvidos.
A pandemia veio pôr a nu as graves lacunas da economia global, que está tão subdesenvolvida que até as nações mais desenvolvidas foram apanhadas completamente de surpresa pelo vírus, e colocadas à beira de uma crise económica grave. Estes países foram apanhados inteiramente desprevenidos. Em vários casos, o COVID quase levou ao colapso dos sistemas de saúde. Após uma década de austeridade e desmantelamento de serviços, estes sistemas não estavam de modo algum preparados para lidar com algo desta natureza: falta de camas, de equipamento, de staff, de instalações, e assim sucessivamente. Isto não pode voltar a acontecer no futuro.
É preciso desenvolver as economias e os serviços de saúde—a começar já, pela criação de capacidades para lidar com novas vagas da pandemia. Se houver uma crise económica grave, muitos países não vão poder voltar a parar as economias, no caso de novos surtos. Isto quer dizer que os serviços de saúde vão ter de estar muito, muito bem preparados.
Nos primeiros meses, os surtos mais violentos foram essencialmente em países desenvolvidos, como sejam os EUA, Itália, a Grã-Bretanha. Depois, a pandemia também começou a causar calamidades em nações em vias de desenvolvimento, como visto no Brasil, ou ainda na Índia, no México, e na África do Sul—entre vários outros. O que é que acontecerá se daqui em diante o vírus vier a ganhar ainda maior expressão no mundo em vias de desenvolvimento? Aqui estamos a falar de África, e também da maior parte dos países no Médio Oriente, na Ásia Central, no Sul e no Sudeste Asiático, ou ainda na América Latina. O que é que um vírus que fez o que fez de sociedades desenvolvidas fará em países subdesenvolvidos, onde coisas como precariedade, pobreza e desnutrição são normais, e quase não existem serviços de saúde e de sanitação pública? Estes países são altamente vulneráveis a pandemias, e a muito elevadas taxas de infecção e de mortalidade. De resto, já estamos a ver isto nalguns sítios. Para além do mais, e mesmo que o vírus não se expanda completamente nestas sociedades, quais é que serão os impactos económicos da pandemia nas populações? Nestas sociedades, vastas proporções da população são pobres, e vivem ao nível da subsistência. Quase não existem redes de apoio social. Inúmeras pessoas têm de sair e trabalhar todos os dias: e isto só para obter alguma coisa para comer, para si e para as suas famílias. A precariedade e a falta de acesso a bens essenciais podem vir a agravar-se imenso, e podem levar a graves consequências sociais e humanas.
Os problemas serão aumentados drasticamente se houver uma crise nas economias mais afluentes (ou seja, se Europa, EUA e outros se deixarem entrar em crise). Vivemos num mundo interdependente, onde todos os países dependem uns dos outros, e os países em vias de desenvolvimento dependem em absoluto das economias mais avançadas. Estes países serão afundados por crise suficientemente grave no 1º mundo—e isso lançará centenas de milhões de pessoas em pobreza extrema.
Neste momento, todas as esperanças estão colocadas nas vacinas que estão agora disponíveis. Mas o facto é que, mesmo que estas vacinas sejam seguras e eficazes, ainda demorarão muito tempo a chegar às populações das áreas mais pobres do planeta, e não resolverão só por si as consequências económicas imediatas da pandemia para estas populações.
O director do Programa Alimentar Mundial disse recentemente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que mais pessoas podem vir a morrer do impacto económico da pandemia que do próprio vírus, e que há a possibilidade bem real daquilo a que chamou, “uma pandemia de fome”.
A somar a isto, também é preciso não esquecer que muitos destes países são extraordinariamente frágeis; se esticados ao limite, podem entrar facilmente numa espiral descendente de violência, de conflito e de colapso humanitário. É essencial que as coisas não evoluam nestas direcções. Estes países vão precisar de ser ajudados, e isso significa ajuda humanitária, mas significa também que se criam programas internacionais para, de uma vez por todas, ajudá-los a desenvolver-se.
Só as economias desenvolvidas têm a capacidade para organizar uma iniciativa deste género. Agora, isto só será possível se elas próprias não entrarem numa crise económica e, mais que isso, se conseguirem revitalizar-se (e isto é revitalizar-se completamente, não apenas meter as coisas a funcionar a meio gás). Depois, essa revitalização pode ser usada para apoiar o mundo em vias de desenvolvimento.
Se as economias desenvolvidas se deixarem desandar para uma crise, nem sequer se conseguirão ajudar a si próprias, muito menos aos países em vias de desenvolvimento. Depois, sem suficiente recurso a assistência externa e, confrontados com a recessão das economias consumidoras e com as restantes consequências económicas da pandemia, estes países poderão facilmente começar a passar por fenómenos aos quais são extraordinariamente vulneráveis, como sejam miséria, conflito, crises humanitárias, dinâmicas de desagregação, e assim sucessivamente.
A seguir, as consequências de tudo isto voltarão para o 1º mundo: por exemplo, pode-se pensar em coisas como migrações em massa e grandes afluxos de população. Isto desestabilizará ainda mais as economias desenvolvidas, e poderá levar a nada mais, nada menos, que a impossibilitação de qualquer forma significativa de recuperação à escala global nos nossos tempos.
É muito provável que o COVID continue a atingir todos os países durante mais algum tempo, e até que daqui em diante haja vagas muito violentas. Porém, e aconteça o que acontecer, é preciso não baixar os braços e nunca desistir. Ao longo dos próximos meses, talvez até dos próximos anos, vai ser preciso manter os países a funcionar, cuidar das pessoas, não as abandonar a precariedade e a coisas piores e, claro, lançar as bases para plena recuperação, e isto só pode ser feito com coisas que tragam dinamismo económico e que criem empregos: ou seja, coisas como grandes obras públicas, estímulos à produção, incentivos à actividade económica privada (e isto é algo que vai da indústria à restauração e aos negócios de bairro), e assim sucessivamente.
Revitalizar os países desenvolvidos implicará enormes injecções de fundos nas economias. Isto é já hoje um dado adquirido, e sê-lo-á cada vez mais ao longo dos próximos tempos. Porém, isto tem de ser feito de modo a criar desenvolvimento, e a evitar em absoluto programas de austeridade, que só por si viriam contrariar, provavelmente anular, quaisquer esforços de revitalização.
A única forma realista de obter os vastos montantes que são necessários para plena recuperação, é a emissão em massa de fundos aos estados pelos bancos centrais. Depois, os estados podem usar estes fundos para salvar as economias, e para as revitalizar e desenvolver. Mais à frente (e como tantas vezes aconteceu durante os últimos 150 anos, nos EUA e na Europa ocidental) as dívidas podem ser facilmente pagas com os proveitos de reconstrução e desenvolvimento.
Os EUA já têm vindo a usar o banco central, a Fed, para emitir fundos em estímulos à economia. Na Europa, o Fundo Europeu de Recuperação pode vir a ser um bom início. Porém, é pouco provável que os montantes disponíveis sejam suficientes para recuperar os países europeus. Com o tempo, a única solução realista deverá ser o uso do BCE para emitir fundos aos estados; depois, esses fundos podem ser usados para desenvolver as economias. É só assim que a Europa será a Europa.
É essencial que o dinheiro seja usado para estimular a criação de empregos e a indústria, e para ajudar os negócios, as famílias e os pobres—isto em vez de ser desperdiçado em bailouts ao sistema financeiro, por outras palavras, a financiar especulação e dívida tóxica, como tantas vezes aconteceu nesta última década. Chegou a altura de meter os bancos centrais a trabalhar em prol da economia real das pessoas reais, no mundo real.
É claro que isto tem de ser feito de modo a não meter tanto dinheiro em circulação que crie excessiva inflação monetária—porém, agora e por mais um tempo, isso não será um risco, já que na maior parte dos casos está-se na exacta situação contrária—i.e. não há dinheiro suficiente a circular.
Tornou-se moda dizer que ‘crise é inevitável’, ‘a vida mudou para sempre’, ‘nada voltará a ser igual’—todo este tipo de demagogia. Não há nada que torne inevitável uma crise; só a irresponsabilidade das pessoas, e este é um daqueles momentos na História em que as pessoas têm de ser responsáveis e adultas.
Uma economia funciona quando há actividade; por outras palavras, estão-se a produzir bens, produtos e serviços, estas coisas são compradas e vendidas, fazem-se lucros, as pessoas estão a trabalhar e têm rendimentos que lhes permitem fazer as suas vidas, têm poder de compra, e há dinheiro suficiente a circular e a passar de mãos em mãos para manter as coisas a funcionar (e, de preferência, a crescer). Se estas coisas estiverem lá, então está tudo a correr bem; se começarem a falhar (colapsos na produção, no emprego, no poder de compra, etc.), então entra-se numa crise. Portanto, é preciso garantir que estas coisas não falham, e é assim que se evita uma crise.
Numa primeira fase, ainda com a pandemia em fundo, emite-se crédito em estímulos à economia produtiva e em apoiosàs famílias e aos pobres. Porém, não se fica por aqui. Depois, emite-se crédito para expandir e desenvolver a economia. Isto é feito através de:
Ponto 1. obras públicas e grandes projectos de infraestrutura pública. Pode-se pensar em coisas que são sempre indispensáveis, como sejam redes de transportes, infraestrutura energética, hospitais e complexos hospitalares, infraestrutura para parques industriais, canais e projectos de irrigação, infraestrutura urbana, e assim sucessivamente. Constrói-se infraestrutura necessária e reconstroem-se infraestruturas degradadas. Grandes projectos deste tipo contratam inúmeras empresas privadas, geram rendimentos para inúmeras outras, e criam emprego em massa; fazem circular imenso dinheiro pela economia; e, pagam-se a si mesmos, já que se está a construir infraestrutura útil e que fica lá, e que ajuda a economia a crescer e a desenvolver-se.
Ponto 2. empréstimos à produção e à actividade económica privada, i.e., a empresas e indústrias que estejam interessadas em produzir e em criar empregos, e a companhias, famílias, startups, que queiram criar negócios, serviços, produções agrícolas, manufacturas, e assim sucessivamente. Usar isto para expandir a economia e o emprego ao máximo possível, e para voltar a ter indústria e produção.
Ponto 3. assistência social a famílias carenciadas, algo que é sempre essencial.
Em Portugal, o plano do governo já parece ir nestas direcções, e isso é bom sinal. Vai ser preciso perseverar neste sentido, independentemente de quaisquer pressões indevidas e intimidações que possam vir a surgir. E, é um facto consumado que surgirão—se é que já não se estão a fazer sentir.
Não basta recuperar as economias. A ideia é reindustrializá-las e melhorá-las, e torná-las altamente produtivas e descentralizadas. É preciso compreender que, no mundo real em que vivemos, é isto que funciona: economias assim geram enorme riqueza e prosperidade, e permitem melhorias contínuas no nível de vida das pessoas, tal como permitem o pagamento rápido das dívidas públicas (e essa é a grande preocupação de alguns).
Portanto, fazem-se grandes obras públicas, constrói-se infraestrutura, incentiva-se a actividade privada—com tudo isto criam-se inúmeros empregos—e claro, ao longo de todo o tempo ajudam-se os mais carenciados. É assim que se fazem as coisas, no mundo real.
Esta é a fórmula que foi lançada por Abraham Lincoln para desenvolver os EUA após a Guerra Civil, e que permitiu a transformação do país na maior potência económica do planeta em pouco mais que 20 anos. É também o modelo geral para o New Deal, o programa de revitalização criado nos anos 30 por Franklin Roosevelt, para combater a Grande Depressão e reconstruir a economia americana, que tinha sido completamente arruinada pela Depressão. Do New Deal de Roosevelt veio a cura da Depressão, e também a vitória na II Guerra Mundial, onde uma América economicamente revitalizada conseguiu encontrar em si a força e a capacidade industrial para criar uma das maiores forças militares de sempre, combater em dois oceanos e quatro continentes, e manter os restantes aliados à tona através de abastecimentos e empréstimos. Depois, o mesmo modelo foi usado para reconstruir a Europa e o Japão após a Guerra, e isto inclui o milagre alemão: a reconstrução da Alemanha Ocidental, e a sua transformação no motor económico da Europa.
É, portanto, desta forma de fazer as coisas (i.e., construir infraestrutura, criar empregos, incentivar a actividade privada, não deixar ninguém passar fome), é desta forma de fazer as coisas que surgiram as primeiras sociedades modernas de classe média: por outras palavras, sociedades onde a maioria numérica da população é classe média. E isto foi nos EUA, na Europa Ocidental e no Japão. Isto é progresso e desenvolvimento—ainda hoje vivemos à sombra dos sucessos desses tempos.
Hoje, é essencial que os EUA consigam superar os seus dilemas internos e possam voltar a dar o exemplo, como deram nos dias de Lincoln e de Roosevelt; e já agora Europa, é tempo de crescer, e deixar o Pacto de Estabilidade e outras considerações monetaristas para trás.
Recuperação também implica reforma e regulação dos mercados financeiros, que foram tornados em casinos especulativos onde se fazem lucros obscenos à custa das economias reais, e da economia real do dia-a-dia. O sistema financeiro mundial está a implodir continuamente sobre si próprio desde o início da Recessão Global em 2008, e só tem sido mantido à tona através de injecções constantes de dinheiro pelos bancos centrais e pelos estados: cada tostão garantido pelos contribuintes dos respectivos países. Isto é dinheiro que é desesperadamente preciso para revitalizar as economias reais e para garantir a subsistência de seres humanos reais. E, quanto ao resto, há que voltar o mais depressa que possível às regulações financeiras que existiam até aos anos 80 e 90, e que foram destruídas para possibilitar a anarquia actual.
É claro que estes problemas só podem ser resolvidos através de cooperação entre países. Aqui, uma boa ideia seria o renascimento do G20 como uma plataforma global anti-depressão: um fórum para a criação de desenvolvimento económico conjunto ao longo do planeta.
O propósito dos países desenvolvidos não pode ser meramente o de relançar as suas próprias economias e fazê-las voltar a uma espécie de normalidade relativa. Há que desenvolver essas economias, e aproveitar o ímpeto para apoiar e erguer o mundo subdesenvolvido. Isto implicará moratórias de dívida e programas de desenvolvimento. Implicará também avançar crédito barato a esses países, e ajudá-los a construir as suas próprias economias. Apoiar projectos de industrialização e criação de infraestrutura, e criar acordos justos de exportação de bens, maquinaria e tecnologia. Pode-se até pensar em trocar este tipo de coisas por recursos naturais e matérias primas; afinal de contas, isto é algo que seria igualmente vantajoso para todas as partes. Logo, enquanto o 1º mundo se reindustrializa, exporta bens a preços acessíveis aos países subdesenvolvidos, ajuda-os a desenvolver-se, e usa isso para acelerar a sua própria reindustrialização. Toda a gente ganha, toda a gente cresce, e chega-se mais perto de acabar com a fome e com a pobreza no mundo.
Ao longo dos últimos meses, assistimos a alguns dos mais dramáticos momentos nesta geração. Porém, também assistimos ao melhor na Humanidade, com pessoas, populações e equipas médicas a fazerem o possível e o impossível para salvar vidas e combater a pandemia. Agora, é preciso derrotar de vez o COVID, e ao mesmo tempo revitalizar países e levar desenvolvimento ao mundo subdesenvolvido, em nome do futuro, e das vidas e dos destinos de inúmeros seres humanos—tantos dos quais ainda nem sequer nasceram, ou ainda são pequenos demais para pedir aos adultos que tornem o mundo num sítio bom para viver. Os mortos desta pandemia continuarão a ser chorados. Porém, daqui em diante têm de ser lembrados—e honrados—através da dádiva de vida que será o lançamento do mundo na direcção do futuro.
Rui Miguel Garrido
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