Quando atravesso certas ruas da cidade de Setúbal reparo que existem determinados padrões. Imaginemos o seguinte, alguns fungos (os quais crescem em colónias de formigas) têm a capacidade de produzir as mesmas feromonas que as crias-infantes das primeiras. Esses químicos pedem por alimento, tal como as formigas-crias assim o requem; porém as formigas-adultas acabam também por alimentar os fungos. Estes chegam a crescer até ao dobro do tamanho da colónia. É assim que vejo a mentalidade dos setubalenses. Somos controladas por idiomas, mensagens e crenças, tal como as formigas que alimentam os fungos, os quais emitem os mesmos químicos que auxiliam por comida. Os dogmas e as ideologias são os piores inimigos de qualquer habitante de cada cidade.
Dado este axioma acredito plenamente que o ambiente dita a forma como o indivíduo se comporta. É passível afirmar que estamos todos sujeitos a certo controlo mental, pois somos regidos pela cidade. Setúbal não é só o somatório dos setubalenses; os setubalenses também controlam a definição etimológica da cidade. Quando caminho pela cidade reparo pois em várias coisas.
Certa vez, estava no parque de Vanicelos e ao meu redor encontrava-se um grupo de adolescentes que se assumiam, com orgulho, pertencerem à comunidade LGBTI. Reparei em como os mesmos exibiam as cores da bandeira arco-íris, mas a ironia é que chegavam a ser tão condescendentes como os homofóbicos. E isto para com a sua própria comunidade. É triste notar em como o orgulho da comunidade LGBTI acaba por ser tão poderoso que traz competição, rejeição e arrogância perante o seu próprio domínio. Os jovens, contudo, são os mais afetados.
Nos cafés, especialmente aqueles mais antigos, reparo em como os bêbados vivem todos os dias a mesma rotina. Pedem cerveja, vinho e bebidas brancas e as mulheres atrás dos balcões já conhecem como o dia vai ocorrer. São, na sua maioria, pessoas que já perderam a fé na vida. Em algumas ocasiões, esses bêbados aparentam ser pessoas com uma posição elevada no trabalho (mas isso é raro). Muitos deles passam a competir entre si para com o estatuto enquanto «macho-alfa». Elevam de tal modo a sua pessoa que acabam por entrar numa luta de poder, peleando de forma indireta entre si. É de notar que essa é uma luta de egos.
O mais triste de tudo, porém, é quando passo por uma rua conhecida. Existe um centro que acolhe pessoas com doenças mentais e elementos considerados como debilitados para a sociedade. Algumas delas passam o dia inteiro na janela e por vezes cravam por cigarros aos transeuntes. Que tipo de pensamentos têm esses doentes? Já imaginaram o que é a mágoa de ser varrido da sociedade para uma cadeia, quando essa cilada é a própria mente da pessoa? O que lhes trouxe ali e qual a história por detrás de cada cara?
Noutras ocasiões vejo jovens ou adultos dos seus trinta/quarenta anos que se reúnem socialmente. Na maioria, os jovens estão em festim, a divertirem-se com cerveja e a contar piadas e histórias que lhes sucederam. Gera-se sempre uma certa elite, pois há pessoas que aprendem a voar e a atingir a plenitude, ao passo que outras nunca saem do chão.
Os pais levam as crianças aos parques e tiram-lhes fotografias. Os jovens falam uns com os outros com os telemóveis nas mãos, sem prestarem atenção ao ambiente. Outros estão constantemente a tirar selfies. Mais uma vez reina o narcisismo, e isto enquanto há pessoas a pedirem por esmola nas ruas para poder sobreviver.
Esta é a realidade. Cada um vive a sua vida conforme as crenças que aprendeu. Nós vivemos o que aprendemos. Da mesma forma que os químicos produzidos pelos fungos que controlam as formigas, as mesmas mensagens que aprendemos com a cidade regem a nossa pessoa. Existem crenças limitantes que nos impedem de chegar a certos patamares e outras permitem o nosso desenvolvimento pessoal. Mas o que acontece quando qualquer cara perde o seu nome e cada alma perde o seu caminho? Apenas tenho a dizer que o destino está nas nossas mãos. Quando abraçamos a solidão encontramos a nossa pessoa. Porém, se tal período for extensivo, perdemos a nossa entidade.
ANDRE FRAGOSO SILVA – Escritor