Tamanha pompa e circunstância,

De gentes que julgam ter maior relevância.

Cus virados à lua e narizes empinados,

Com requinte e palavras caras são elogiados.

Se é inveja nossa ou não, que importa?

Vocês tudo têm, e outros na cepa torta.

Pelo menos é nossa esta dor de cotovelo.

O que conquistaram, não fizeram por merecê-lo.

Nem há questão para a presente fúria,

Vós na bela luxúria, nós na feia penúria.

Nada de justo neste bolo de discrepância,

Só queremos uma fatia da vossa ganância.

Uns desfilam com deslumbrantes farpelas.

Os restantes ostentam incrustantes ramelas.

Dum lado coloridas manicuras e perfumes,

Do outro feridas e mãos sujas de betumes.

De botox e pinturas faciais parecem palhaços,

Enquanto nossas caras demonstram cansaços.

Do Fabergé nunca provaremos um único ovo,

Ah, raiva deste estigma e da cisão de um povo!

Só conhecem uma despensa bem guarnecida,

Muitos deste lado nem à noite têm guarida.

Vós a passear em cavalos e de barco à vela,

Nós caminhamos numa falta de meios singela.

Com a influência que o vosso eixo exerce,

Ajudem-nos a melhorar o nosso alicerce.

Diferenças abismais entre nós geram violência,

Empatia pelo alheio na sua cadência de decadência.

Não queremos retirar-vos o ouro do berço,

Do que têm não precisamos de mais de um terço.

Esta não é distinção entre o bem e o mal,

É divulgação da duradoura desigualdade social.

Mauro Hilário