Decorria o dia 11 março 2020 e a OMS declarava o surto da doença COVID-19 uma pandemia.

Quando a 18 março 2020 o Decreto do Presidente da República decretava o estado de emergência em Portugal, nenhum de nós sabia como a nossa vida iria decorrer nas semanas e meses seguintes.

O país entrava em confinamento, ao mesmo tempo as consultas no SNS eram suspensas ou adiadas, os blocos operatórios paravam para as cirurgias programadas e não urgentes, os doentes crónicos e os doentes oncológicos colocados em standby, os profissionais de saúde recrutados para a linha da frente no combate ao SARS-CoV-2 (COVID-19).

A somar a tudo isto, instalou-se na população o receio e o medo generalizado na ida a um serviço de urgência, consulta hospitalar ou centro de saúde.

Assim, entre 16 março e 02 maio 2020, toda a atividade assistencial não urgente foi suspensa, seria no entanto expetável e desejável que após esse período, se iniciasse uma recuperação no número de consultas, de cirurgias e procedimentos médicos que ficaram em suspenso, mas a realidade era outra e os números espelhavam o verdadeiro estado do SNS e o verdadeiro estado da saúde dos portugueses.

Entre janeiro e julho do presente ano, e comparativamente ao ano de 2019, houve menos 986 mil consultas médicas nos cuidados de saúde primários, menos 1,9 milhões de atos de enfermagem, menos 440 mil primeiras consultas de especialidades nos hospitais e menos 99 mil cirurgias.

Quanto aos episódios de urgência em ambiente hospitalar, nos primeiros sete meses do ano, existiram menos 990 mil episódios de urgência e falando de MCDT (Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica) foram cerca de 17 milhões os atos não realizados, sendo as áreas mais atingidas, a medicina física e de reabilitação, as análises clínicas e a radiologia.

E a área do rastreio oncológico nos cuidados de saúde primários? Os números falam… ficaram por realizar cerca de 83.000 rastreios, significa que poderão estar a deixar para depois, um problema que irá agravar o estado de saúde e a qualidade de vida dos doentes, traduzindo-se em custos acrescidos para o SNS.

No meio de tantos números, no meio de um filme em que alguém carregou na tecla “pausa”, tive uma visão do monstro que está a ser criado, com a suspensão, o adiamento e a deficiente resposta do SNS à prestação de cuidados de saúde, e gostaria de deixar aqui algumas questões/preocupações às entidades competentes:

E agora…como será até ao final deste ano 2020, que resposta será dada pelo SNS a todos estes doentes?

O Outono/Inverno aproxima-se, que plano(s) terá o Governo e mais concretamente o Ministério da Saúde, para os utentes que ao longo destes meses continuam a aguardar por cuidados de saúde, sentido na pele um real agravamento do seu estado de saúde?

Continuará este Governo com o foco exclusivo no controlo dos números da pandemia, enquanto o número de óbitos por outras doenças aumenta?

Sr. Primeiro-Ministro, acenou aos portugueses com a assinatura de um acordo/autorização para a compra de 6,9 milhões de doses de uma vacina para a Covid-19, vacina essa que ainda não terminou os estudos de fase III, logo não existe.
Já refletiu sobre o verdadeiro estado do SNS e que esse acordo, que tanto refere, em nada contribuirá para a melhoria do estado de saúde de qualquer um destes doentes ou de outros doentes que entretanto ficarão com o seu estado de saúde agravado?

Acelere sim e trate os utentes do SNS que continuam em lista de espera por uma cirurgia, por uma consulta de especialidade, pela realização de um meio complementar de diagnóstico, por um rastreio ou tratamento oncológico, desbloqueie as restrições a uma simples consulta de medicina geral e familiar.

Que plano existirá para a criação de condições e medidas de segurança em meio hospitalar, para que os doentes internados deixem de estar privados de receberem uma visita familiar?

E os utentes que terão de recorrer às urgências hospitalares, continuarão impossibilitados de se fazerem acompanhar por um familiar ou pessoa de confiança, limitando em muito a comunicação doente/médico?

E os doentes em fase terminal, continuarão privados de estarem acompanhados por um ente querido, nos últimos momentos da sua vida?

No meio de toda esta pandemia, de todo este turbilhão na prestação de cuidados de saúde, há uma área que poucos falam… a saúde mental, área sobre a qual o SNS terá de se debruçar e investir.
Haverá um plano? Ou será mais uma bomba a explodir nos próximos tempos? os meses de confinamento, a perda da qualidade de vida e rendimentos das famílias, o desemprego, são fatores que estarão diretamente relacionados com a saúde mental dos portugueses.

Sr. Primeiro-Ministro em variadas declarações aos órgãos de comunicação social, afirmou que o país não pode voltar a confinar como em março, que o país e a economia não poderão voltar a parar, eu sei que não poderemos, e espero que não venhamos a passar por um novo confinamento, eu também pretendo retomar a minha atividade profissional de forma presencial. Mas… e como continuarão todos estes milhões de utentes que os números falam, poderão continuar com todas estas restrições no acesso aos cuidados de saúde, no acesso ao SNS?

O Serviço Nacional de Saúde foi transformado num “Covidário”! e as restantes patologias (doenças) em que serviço ficaram?

Estará este Governo numa luta intensa para tentar salvar vidas ou estará a tentar salvar o sistema?

Srs. Governantes, há mais vida para além do COVID-19… e a doença não se adia, trata-se! Portugueses, haja esperança!

Paula Ramos

Vice-Presidente do CDS-PP Barreiro