Serei candidato pelo Chega à Câmara Municipal de Alcochete. A candidatura faz parte do projeto cívico mais renovador da democracia portuguesa que, entre outras características, é o que mais reivindica um debate frontal, sem interditos, verdadeiramente livre que nos ensine a todos a busca permanente da verdade sobre a questão racial contra a tradição autoritária e ancestral das ideias feitas.

O racismo deveria ser um tema transversal às campanhas eleitorais por todo o país, questão especialmente sensível em distritos como Setúbal ou Lisboa, tendo em conta que a multiplicidade racial (que assume conteúdos interétnicos) está no âmago dos desafios de integração social, cultural e socioeconómica e não é indiferente aos desafios de segurança nessas áreas habitacionais. Não há assunto mais relevante para quem se preocupe com o presente e o futuro do país.

Sendo impossível esgotar o tema num artigo, este é o primeiro de uma séria de três. Trata-se de um ponto de partida da discussão pública do programa autárquico do Chega para Alcochete, comunidade afetada pelos mariscadores ilegais, prática associada à imigração ilegal, fenómenos cuja solução impõe a discussão prévia do racismo.

Preâmbulo: a identidade «racista» do Chega

O Chega nasceu com uma característica sui generis. A identidade social do Partido foi determinada à nascença pelos seus adversários políticos. Foram os outros que decidiram unilateralmente quem nós somos. Mais. Vedaram-nos o direito de resposta pública em idênticas circunstâncias numa violação grosseira do ideal democrático.

Nós, do Chega, ainda nem sabíamos ao certo que rumo dar à nossa identidade recém-criada e já nos tinham batizado de racistasxenófobos, fascistasneonazis, de extrema-direitapopulistas. Conheço-me, e à minha cor de pele e origens, assim como conheço internamente a militância do Chega para garantir que nunca encontrei um único militante ou simpatizante do Chega que se reveja em qualquer dos rótulos referidos. Alguém está a mentir.

Há pelo menos uma conclusão indisputável. Quando quem define a nossa identidade não somos nós, quando a identidade de um indivíduo ou de um coletivo é imposta autocraticamente pelos outros, de fora para dentro da

intimidade de cada um de nós, isso tem nomes muito feios: violência simbólica, terrorismo moral, terrorismo intelectual, violação mental.

É o que acontece aos milhares de portugueses que ousam filiar-se ao Chega na violentamente autoritária democracia portuguesa do século XXI.

Tal não significa, no entanto, que o Chega não tenha responsabilidades próprias. Temos. Por nos limitarmos a ser reativos, a jogar à defesa identitária, a dizer que não somos aquilo que os outros dizem que somos. E nunca fomos. Nunca seremos. Porém, quando uma identidade coletiva não se consegue impor socialmente nos seus próprios termos, em especial no mundo ocidental, a responsabilidade está dentro dessa mesma identidade. Ela tem de fazer muitíssimo mais por si mesma. Vale para quem se filia ao Chega, como vale para a identidade cigana, negra, islâmica e todas os demais.

No caso do Chega, um passo fundamental contra os estigmas residiu na aprovação do Programa Político de 2021, no VII Conselho Nacional (2 e 3 de julho, Sagres – Algarve). A campanha autárquica que se segue permitirá, ao menos em parte, reforçar a tendência. Daí ser fundamental que seja o Chega a trazer a debate público a questão racial, uma vez que a acusação de sermos racistas tem sido tão marcante, tão injusta, tão violenta que jamais nos afirmaremos sem rebatê-la com vigor e justiça.

Do mesmo modo, a atual sociedade portuguesa contar-se-á entre as mais indignas da face da terra se não nos conceder o direito a essa discussão livre e frontal, até porque o assunto vai muito além do Chega. O recalcamento mais prejudicial à saúde mental coletiva dos portugueses reside hoje, precisamente, na questão racial, a causa de um povo inteiro se sentir oprimido e frustrado, de regresso aos piores momentos do passado, da Inquisição à Ditadura.

Ter direito a falar livre e publicamente do racismo será quebrar o muro de betão que existe entre cada um de nós e a Verdade. Não há razão mais nobre que justifique um amplo debate cívico e político. É essa a semente que o Chega fará germinar no distrito de Setúbal e no país a partir da maturidade moral da Comunidade Alcochetana.

As posições públicas do CHEGA que servem de ponto de partida têm sido: (i) o racismo quando se manifesta tem de ser censurado, talvez o único pressuposto em que concordamos com a todas as demais forças políticas; (ii) Portugal não é racista; (iii) não existe racismo estrutural na sociedade portuguesa; (iv) racismo é distração. Tal predisposição constitui, no entanto, apenas a ponta do icebergue daquilo que o Chega pretende, nada menos do que ultrapassar em definitivo o problema racial.

Primeira nota racial: passado e presente

Ninguém compreende, e muito menos ajudará a resolver o que quer que seja, caso não distinga, com a máxima clareza, o passado do presente. O racismo foi um fenómeno indiscutível do passado.

Não existem, porém, continuidades comprováveis entre pessoas, factos e contextos sociais do passado e o julgamento de atitudes e comportamentos das pessoas do presente. Não distinguir o passado do presente é um sintoma da fuga à busca permanente da verdade e da justiça.

O problema é que as consequências desse vício de partida têm sido demasiado graves, por isso condenáveis.

Por um lado, elas significam que quem hoje nasce branco passa a ter de viver para sempre condenado por supostos crimes raciais que cometeu antes de existir. Contra tal estigma, qualquer identidade racial, ou de outra natureza, tem o dever de se proteger a si mesma. Mais. Tem a obrigação moral de proteger a dignidade dos seus filhos, netos, bisnetos e futura descendência impedindo que nasçam com o estigma da culpa histórica, ancestral ou genética. Quem não luta contra isso matou em si mesmo o sentimento maternal ou paternal, assim como o sentido de pertença a uma nação.

O problema não se fica por aí.

Quem é branco é também condenado por antecipação. É condenado por supostos crimes raciais que irá cometer no futuro que ninguém sabe qual é. Por pensar assim e mandar, há uma elite que controla o ensino, as universidades ou a comunicação social para policiar a pertença branca por aquilo que diz e faz, mesmo em detalhes insignificantes, como não acontece a nenhuma outra pertença racial no mundo.

Não existem sociedades mais violentamente imorais e injustas do que aquelas que condenam os indivíduos por aquilo que herdaram à nascença ou por antecipação. A violência da Inquisição viveu disto. A violência totalitária comunista e nazi viveu disso. Violação mental dos indivíduos e isso.

Essa causa basta e sobra para legitimar a existência do Chega.

Segunda nota racial: racista é o Estado

A fonte do racismo é e sempre foi o Estado. Essa fonte que tem de ser secada. Em rigor, é sempre a intromissão do Estado na vida social que origina e alimenta o racismo.

Os indivíduos e sociedades são livres de fazerem as suas escolhas. Ou então não são livres. Sociedades com maturidade autocorrigem-se permanentemente pelo primado moral da autorresponsabilidade e pelos demais princípios e valores de relacionamento social habitual próprios da sua época. Basta a autonomia da censura social para corrigir desvios ao nível da falta de educação ou da falta de desrespeito no trato quotidiano.

Fora disso, está historicamente comprovado que a diferença racial entre os indivíduos só se transforma em racismo, isto é, só se transforma em fonte de sentimentos de injustiça e desunião que degeneram inevitavelmente em violência e confronto quando o atributo racial entra na órbita do Estado por via do Ordenamento Jurídico. Só se geram desequilíbrios socialmente ameaçadores quando se instituem leis fundadas em atributos raciais, ou na ambição eufemística de garantir ou corrigir artificialmente diferenças entre minorias e maioria. O vício nasce inevitavelmente da classe política querer impor a discriminação negativa (como aconteceu no passado) ou a discriminação positiva (como acontece no presente). Discriminar negativamente alguém é beneficiar injustamente alguém, assim como discriminar positivamente alguém é prejudicar injustamente alguém.

Já deveríamos ter aprendido tão elementar lição da história. Foi assim no tempo do nazismo (1933-1945), foi assim no tempo do Apartheid na África do Sul (1948-1994), é assim na América atual e no restante Mundo Ocidental. Também, naturalmente, é assim hoje em Portugal.

Todas as leis com conteúdo racial são humana e moralmente ilegítimas e simbolizam o controlo autoritário ou totalitário do Estado sobre a Sociedade, um tipo de controlo que atenta severamente contra a autonomia da última. Razão para as leis raciais terem de ser, hoje como no passado, simplesmente banidas dos ordenamentos jurídicos dos Estado humanamente dignos.

Esse é justamente o objetivo maior do Chega. Somos a única força política em Portugal com condições objetivas para encerrar em definitivo o capítulo histórico do racismo.

Em suma, o racismo sempre foi e será filho da perversão do Estado de Direito. O fenómeno gera-se quando as leis deixam de ser socialmente universais e abstratas para introduzirem particularidades raciais ou étnicas. A ideia não é minha. É do sociólogo Michel Wieviorka.

(Continua: este é o primeiro artigo de um série de três.)

Por: Gabriel Mithá Ribeiro
(Professor, Investigador, Escritor e Colunista no Observador)